Romeu Duarte escreve em sua coluna no jornal O POVO; De vícios muitos e virtudes poucas

Sex, 30 de Maio de 2014 09:42



Ensina o dicionário que vício, substantivo masculino, significa disposição habitual para certo mal, mau costume, ação indecorosa ou libertina, imperfeição grave ou defeito, tendo como sinônimos pecado e perversão. Derivado do latim vitium, geralmente correspondendo a falha, constitui-se num hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com ele convivem, tendo como antônimo, ou oposto, a virtude. Péssimos adjetivos são costumeiramente dispensados a quem desenvolve tais reprováveis rotinas, sendo este, no limite, afastado pela sociedade de suas relações. O degenerado acaba não tendo outro destino senão o de pária, o excluído de todas as rodas, os dedos apontados ao cachimbo que faz a boca torta.

 

Sem querer dar uma de Émile Zola, apenas registrando alguns aspectos que me parecem, neste particular, dignos de nota nesta nossa mais que sofrida cidade, refiro-me a alguns comportamentos reprováveis, quiçá já se transformando em sombria tradição. Não, não me refiro à renitente roda de baralho da Barão do Rio Branco com São Paulo, movida a café e cigarro, ou ao troca-troca alucinado de figurinhas da Copa nas bancas de revista. Inicio pelos modos e maneiras de nossas maiores torcidas uniformizadas, em seu obstinado afã de destruir seus times e, de roldão, o futebol cearense. Ah, com que prazer se esmeram, alvinegros e tricolores de camisas a serviço do capeta, em fazer do pebol alencarino uma batalha sem quartel e afugentar dos estádios os verdadeiros torcedores, aqueles pacíficos.

 

Claro que não vou me ocupar aqui da radical lourificação das mulheres fortalezenses (Iracemas pós-pós-modernas lutando contra o relógio?). Na mesma linha, nenhuma palavra sobre a destruição de nossas lídimas manifestações culturais, já que nada mais up-to-date do que uma tapiocaria gourmet aninhada sob os escombros da Chácara Flora. Prefiro denunciar o truculento modus operandi de nossa gloriosa Polícia reservado a manifestantes com causa e, de forma especial, aos nossos destemidos jornalistas, comprometidos com a tarefa diuturna de revelar-nos a realidade. Em suma, a sola assola, come de esmola, faz escola e amola o gume da aguda apartação social. Por certo, a droga é a causa de inúmeros males, os quais não serão resolvidos somente pelo intenso brilho das caras Hylux novas em folha.

 

Curiosos olhos sobre meus ombros pedem-me para inventariar as manias feias dos moradores da Loura. Dentre outras, vá lá: os motoristas ronceiros, useiros e vezeiros em estacionar na calçada, andar devagar, segurando fila de carros com o celular na orelha, e fechar cruzamento; o político grosseiro e ainda influente, mesmo na descida da rampa, a desqualificar adversários e correligionários com palavrões vindos dos seus maus bofes; o emporcalhamento de caso pensado da cidade por seus habitantes, todos acólitos do deus Lixo; combinado, nenhuma palavra quanto aos tratamentos rústicos e incivilizados que ainda abundam em nosso meio (quando o século XVIII dará adeus ao Ceará?), o brucutu aos berros navegando na Internet; o vezo adversativo do povo, o qual atesta que o rapaz é gente fina, mas...

 

É tanta coisa ruim que eu vou dizer... Agora, aqui para nós, a pior de todas, já se perpetuando como uma característica de nossas infelizes administrações municipais, é esse negócio de intervir na cidade sem qualquer tipo de planejamento prévio, de realizar obras ao bel prazer de gerentes iluminados, desconsiderando o conhecimento, a inteligência e a sensibilidade e, por que não dizer, o direito que todos temos, como cidadãos pagadores de impostos, de analisar, criticar e propor o que se pretende fazer como melhoria urbana. Fortaleza está em pé de guerra e não é só porque os black-blocs estão pintando de preto o Benfica ou pelo fato de os emos se acorrentarem às árvores da ameaçada Praça Portugal. Há por parte da população um franco desejo de participar e colaborar para dar um rumo a esta urbe. Que este não seja desperdiçado.

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/romeuduarte/2014/05/26/noticiasromeuduarte,3256375/de-vicios-muitos-e-virtudes-poucas.shtml

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