Romeu Duarte escreve em sua coluna no jornal O POVO: As Copas que vivi

Qua, 18 de Junho de 2014 13:35



Romeu Duarte, Conselheiro Vitalício do IAB- CE e Ex-Presidente da entidade Nacional, escreve em sua coluna semanal, no Jornal O POVO.

Os foguetes estourando nas ruas, os cachorros%u018D ganindo e se escondendo debaixo das camas, a cerveja escorrendo gelada goela abaixo, as insuportáveis e renitentes vuvuzelas troando no meio do mundo, tudo conspira para que se dê voz à memória. As Copas a que assisti desfilam ante meus olhos, umas mais nítidas que outras, poucas felizes, a maioria de má lembrança, todas inesquecíveis. Criado num meio em que o futebol era mais que uma religião, não poderia ser diferente. Em todas, a presença central de meu pai, vivo ou não. Vejo-o ainda nervoso, xingando os erros do nosso escrete, prestes a jogar uma chinela na televisão, enfezado com a ignorância de minha mãe e minha tia, que não entendiam a razão de ser de um off-side...

Passando por cima da de 1966, época em que eu era um menino mais interessado em arraia do que em bola, estreei na de 1970, de deliciosa rememoração. E que debut: vibrar com um timaço conduzido pelo gênio de Pelé, a astúcia de um Tostão, o cérebro de um Gérson, a raça de um Jairzinho e a patada atômica de um Rivelino. Não teve para ninguém. Quando vencemos a Inglaterra, no segundo jogo, tive a certeza de que, depois de 1958 e 1962, ganharíamos mais uma vez o dourado caneco e, de quebra, o tão sonhado tri. O tirombaço de Carlos Alberto estufando a rede de Albertosi quase arrasa a vila da Base Aérea naquele Brasil 4x1 Itália. Os amuados de então, como os de hoje, invocados com aquela dura conjuntura, foram os primeiros a comemorar.  

 

"Os amuados de então, como os de hoje, invocados com aquela dura conjuntura, foram os primeiros a comemorar o gol"

 

Seguiram-se tempos opacos, ruins. Disseram para o brasileiro que ele deveria desaprender a jogar o seu futebol-arte e adotar o jeito rude e mecânico das seleções europeias. Em 1974, na Alemanha, levamos um vareio de bola da Holanda, defendida por um time que a todos encantava, tendo à frente Johan Cruijff como maestro. Em 1978, fomos campeões morais na amordaçada e torturada Argentina. Paolo Rossi, por três vezes no Sarriá de Barcelona, destruiu, em 1982, uma de nossas melhores esquadras. No Mundial de Maradona, o disputado no México em 1986, os pênaltis perdidos por Zico, Sócrates e Júlio César contra a França foram a nossa cancela nas quartas-de-final. Caniggia, malandro, na Itália em 1990, fechou o nosso caixão nas oitavas.

 

Em 1994, vinte e quatro anos nos separavam de nossa última conquista. Nos Estados Unidos, num dos mais fracos campeonatos já registrados, o Brasil sagrou-se vencedor numa bisonha disputa por pênaltis com a Itália de Baggio, que mandou a bola por cima da trave do Taffarel. O Opção da Praia de Iracema, do saudoso Haroldão, pegou fogo nesse dia. Reaprendemos a jogar o esporte bretão? Quatro anos depois, na terra dos gauleses, demos um dos maiores vexames de nossa história com o piripaque do Ronaldo Aécio, digo, Fenômeno(?). O de 2002 foi travado no outro lado do mundo e nós, agora Família Scolari, em mais uma oportunidade, ganhamos a taça, fomos penta degustando panelada com cachaça no desjejum. Difícil era ir trabalhar depois...

 

"Em 1978, fomos campeões morais na amordaçada e torturada Argentina. Paolo Rossi destruiu, em 1982, uma de nossas melhores esquadras"

 

A distraída ajeitadinha do Roberto Carlos no meião selou a nossa sorte em 2006, quando a Itália (que sempre chega de mansinho) de Materazzi tirou o Zidane do sério. A Fúria espanhola, na África do Sul, levou o derradeiro, jogado em 2010, aquele no qual o Messi prometeu e não cumpriu. Uma afirmação: fossem menos as libações nas partidas, as recordações seriam mais vívidas, porém, quem sabe, menos interessantes. Resta-nos agora torcer pelo hexa em meio aos prós e contras das paixões desenfreadas, das passeatas auriverdes e escuras, de quem nos aperta ou esmaga a mão. Olho para a poltrona vazia na casa paterna e sinto falta de meu pai. Na gaveta, esquecido, um bilhete com a letra dele, bom augúrio. Ah, vida, eterna caixinha de surpresas, como o futebol.

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/romeuduarte/2014/06/16/noticiasromeuduarte,3267527/as-copas-que-vivi.shtml

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