Futebol tem dessas coisas por Romeu Duarte

Sex, 12 de Julho de 2013 10:47



Romeu Duarte, Conselheiro Vitalício do IAB- CE e Ex-Presidente da entidade nacional, escreve em sua coluna semanal no jornal O POVO.

"A bola começa a rolar. O Brasil, com Pelé, Tostão, Gérson e Rivelino, fizera uma campanha até então invicta, tendo vencido a Tchecoslováquia, Inglaterra, Romênia e Peru."

Em meio ao show de bola que a nossa seleção deu na espanhola na final da Copa das Confederações, o pensamento voou e se instalou na tarde do dia 17 de junho de 1970, em nossa humilde casa na Base Aérea. Papai, esbaforido diante da TV preto e branco, pedia silêncio a todos os membros da família, pois dali a alguns instantes começaria o jogo da semifinal da Copa do Mundo, Brasil x Uruguai. “Pelo amor de Deus, não façam barulho, se aquietem, essa partida, cacete, é de vida ou morte, é a nossa própria honra como nação que está sendo jogada aí”.
 

Explico-me: rapazinho morando à época no Rio de Janeiro, papai assistiu ao fatídico jogo das duas seleções na Copa de 1950, quando o país inteiro sofreu o aguilhão do Maracanazzo, a cusparada de Obdulio Varela no auriverde pendão que a brisa do Brasil beija e balança. A partida de agora era vista por ele mais do que uma revanche, em verdade, uma cruenta vingança. “Mais do que ganhar, temos que mostrar a esses sacanas que não esquecemos o que eles nos fizeram. Traz o refresco de maracujá aí, Chica, que a coisa aqui tá pegando fogo”.


A bola começa a rolar. O Brasil, com Pelé, Tostão, Gérson e Rivelino, fizera uma campanha até então invicta, tendo vencido a Tchecoslováquia, Inglaterra (o maior jogo de futebol que já vi em minha vida), Romênia e Peru. O time uruguaio, com altos e baixos, tinha grandes jogadores, tais como Mazurkiewicz, Anchetta e Esparrago, e era ardiloso, violento e catimbeiro. Pânico: um pouco antes do ponteiro marcar 20 minutos do primeiro tempo, Cubilla, um ponta-direita baixinho e atarracado, abre o placar para os charrúas numa falha do nosso goleiro Félix, talvez a ú nica dele no torneio.

 

“Maldição, maldição!”, gritou papai, “De novo não, minha Nossa Senhora de Fátima!”. Eu e meu irmão, ignorantes das feridas do passado, víamos tudo aquilo como motivo de pilhéria. “Isso aqui não é brincadeira não, seus moleques, parem de achar graça!”, ralhou papai. “Homem, se acalme, tenha nervo, olhe o coração não...”, disse mamãe, o ferino olho verde-azulado. Quem nos salvou de umas boas lapadas foi o Clodoaldo, empatando o jogo num arremate perfeito de um mais que preciso passe de Tostão. Paz no Brasil.

 

Começa o segundo tempo. Nossa seleção engrenara um ritmo infernal, colocando os cansados orientais na roda. Pelé só não fazia chover. Por volta dos 30 minutos, em outra jogada genial sua, Tostão serviu a Jairzinho na direita e o Furacão não perdoou: Brasil 2 x Uruguai 1. “Tomem, bandidos! Obrigado, Senhor, estou vingado!”, bradou o Seu Romeu, o sorriso largo e satisfeito. Lá fora, panelas batiam, pessoas berravam, carros apitavam, cachorros latiam. Essa algazarra transformou-se num pandemônio quando Rivelino, numa deixada matreira de Pelé, aumentou para 3 a 1. Tchau, Celeste Olímpica, passar bem.

 

“Idiota, burro, você não entendeu nada, sua besta quadrada corintiana!”, vociferou meu irado genitor, “Era para ter deixado no 2 a 1, cara, no mesmo resultado daquela partida desgraçada no Maracanã! Para que 3 a 1? Goleada banaliza o gol, a coisa mais sublime do futebol. Por que é tão difícil ser feliz?”, filosofava às bandeiras despregadas, para nosso espanto. Foi aí que compreendi o mistério do planeta do futebol, enviesado e imprevisível como a folha seca de Didi. Essa mesma sensação ainda hoje me assalta quando vidrado no ludopédio, seja Barcelona contra Santos, seja Venturoso contra Terra e Mar.

 

O gol de Neymar, quase furando a rede do Casillas, trouxe-me de volta ao presente. Minha filha Isabel, de sob a bela cabeleira negra, perguntou-me: “E então, papai?”, ao que respondi, citando a sábia lição de Nelson Rodrigues: “Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola”.

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