Romeu Duarte em sua coluna no jornal O POVO: Sob o signo do arco-íris

Seg, 15 de Julho de 2013 09:00



Romeu Duarte, Conselheiro Vitalício do IAB- CE e Ex-Presidente da entidade nacional, escreve em sua coluna semanal no jornal O POVO.

 

Sob o signo do arco-íris

A manifestação agora era vibrante e enamorada em seus beijos, abraços e amassos francos e despudorados.

 

Fazia um sol gostoso naquela tarde domingueira de começo de julho na Beira-mar. Uma curiosa fauna composta por anjos, coelhos, dançarinas, pierrôs, arlequins, colombinas, gladiadores, robôs, cowboys, femmes-fatales, pessoas como eu e você, apinhava-se na areia, no calçadão, na via, nos carros, nos trios-elétricos e onde mais fosse possível. Os estandartes multicores davam bandeira daquela grande e alegre manifestação, que, se antes fora apavorada, revoltada ou até vândala, agora era vibrante e enamorada em seus beijos, abraços e amassos francos e despudorados, como se não houvesse amanhã. Prova disso era o fresco picolé de kiwi compartilhado por tantas bocas e línguas.

Claro, havia aqueles que para lá se dirigiram apenas com o intuito de chacotear a vida alheia, de braço dado com os chacais que, sob pele de cordeiro, foram para flagrar e maldar gente abrindo a porta ou mesmo fora do escuro armário do pejo pela renitente inclinação sexual. Como se sabe, o Ceará continua moleque e Fortaleza, apesar das muralhas dos luxuosos condomínios praianos, mantém com orgulho a condição de terra de muro baixo. “Viado, tudo bem; agora, viadagem, de jeito nenhum!”, dizia bem acolá, alto e provocativamente, um desbocado senhor grisalho aos pares que exibiam despreocupadamente seus doces e homoeróticos amores de passeata.

Fazia muito tempo que ele e ela não se viam. Além do que os unira a fogo e a sangue, muita coisa havia sido deixada para trás. Longe iam os tempos dos primeiros encontros no Bosque das Letras, sob o manto protetor das mangueiras benficanas, e dos românticos e cúmplices entardeceres na Praia de Iracema. As folhas de relva trocadas pelos morangos mofados mais alguns porcos com asas, ao som de Bethânia e Lady Day e ao sabor de um vinho barato qualquer. A paixão que os levara a abandonar as casas dos pais e se instalar num modesto quarto-e-sala no José Bonifácio. Os mestrados e doutorados cumpridos em terras estrangeiras que, se bem fizeram aos intelectos, acabaram por distanciar os afetos, desatar os laços, tornar os elos em pó.

Pois bem, lá estavam os dois, frente a frente, depois de séculos. Ele, com seu namorado norueguês de dois metros de altura fantasiado de melindrosa. Ela, com sua namorada francesa, atarracada e carrancuda, vestida de almirante, o maço de cigarro apontando no bolso do uniforme azul-marinho. “Bom te ver, quanto tempo...”, disse ele, fitando aqueles olhos castanhos que imaginava perdidos no passado. “Quem é vivo sempre aparece, baby”, falou ela com uma boca mordaz, o braço forte da marinheira cingindo-lhe a cintura. Feitas as apresentações de praxe, numa mistura de cacos de idiomas, observou ele em bom português: “Continuamos reféns da Síndrome de Iracema. Por que sempre tem que haver um guerreiro ou uma guerreira branca?”. Risos amarelos.

No ar salgado daquele crepúsculo, um sentimento que não ousava dizer seu nome teimava em enlaçá-los. Conversas bestas se amontoavam e seu final era sempre o mesmo: restos de olhares inconclusos, que sabiam a algo não resolvido, a chances não concedidas de parte a parte, à descoberta de outros universos e de suas possibilidades como saída para ambos. Orientação pura e simples ou mera curiosidade, agora saciada? “Adoro estar aqui, este clamor me representa”, disse ela tirando-o a terreiro, o que satisfez seu bleu Tamandaré. “Pois para mim”, devolveu ele, entristecendo seu viking, “cada vez mais me parece caricato, galhofeiro, apenas carnavalesco. Amanhã tudo será como antes, começando pelo preconceito”. Todos concordaram: não há nada pior do que bate-boca num esperanto improvisado.

Despediram-se amigavelmente, para secreto gáudio dos seus partners, que nem desconfiaram da discreta combinação de um encontro dos dois na livraria elegante da Aldeota. É certo, nem o rancor sobrevivera, só um vazio faminto, que ansiava, quem sabe, ser novamente aplacado.

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