Romeu Duarte escreve em sua coluna no jornal O POVO: O amor nos tempos que correm

Seg, 09 de Dezembro de 2013 08:43



Romeu Duarte, Conselheiro Vitalício do IAB- CE e Ex-Presidente da entidade Nacional, escreve em sua coluna semanal, no Jornal O POVO.

Após muitas cutucadas e tecladas para lá e para cá, eles entenderam que era hora de se conhecerem melhor. Deixar de lado os disfarces da imitação da vida.

 

Conheceram-se no Facebook. Muitos amigos comuns, perfis voláteis na teia sem fim. Ambos de meia idade e recém saídos de relacionamentos fracassados. Ela com seus posts de auto-ajuda, cães e gatos fofos e telas do Romero Brito. Ele com seus instantâneos de viagens, pratos de restaurantes caros e carros antigos. Ela gostava do tom brincalhão e despachado dele. Ele, da delicadeza e meiguice dela. Ah, as máscaras que os personagens usam para atuar nesse cibernético teatro. De tanto curtirem-se, adicionaram-se, viraram amigos. Ademais, concluídos seus ciclos, era hora de encontrar gente nova, a vontade louca de sair da casca, de explorar terrenos desconhecidos, a grande oferta do amplo universo virtual, essa selva de feeds e aplicativos.


Após muitas cutucadas e tecladas para lá e para cá, eles entenderam que era hora de se conhecerem melhor. Deixar de lado os disfarces da imitação da vida utilizados no reino da simulação para encarar o vero mundo real. Marcaram de se ver naquele bistrô da Varjota, chique e os olhos da cara. Dirigiram-se ao local combinado, cada um no seu carro, em suas solidões particulares de que queriam ansiosamente se livrar. Em lá chegando, o atencioso mâitre os acolheu numa aconchegante mesa de canto. “Aqui não tem arrastão, não, né?”, perguntou ela, desconfiada. “Nõ, madame”, respondeu o serviçal num autêntico francês do Mucuripe, “se havia, zé finim”. “Ainda bem”, aliviou-se ela, “já pensou se me levam o i-phone? Sinto-me nua sem ele, mulher sem batom”.


O vazio que sempre acontece entre as conversas de pessoas que ainda pouco se conhecem era mais e mais preenchido e ampliado pelo sôfrego recurso às respectivas aporrinholas eletrônicas. Afagadas por dedos ágeis e curiosos, revelavam mensagens, curtidas, KKKs, as jóias da amiga cosmopolita, a carta de renúncia do político cardíaco e odiado, dentre outras fúteis novidades de consumo imediato. Com o tempo, esfriava a comida, esquentava o vinho e aumentava o silêncio. Como dois autômatos, esqueciam de si e das possibilidades que aquele encontro lhes abria, mergulhados na vertigem de uma avalanche de notícias sem futuro. Acordaram do transe com a chegada da conta, envergonhados da própria besteira, que ousaram sepultar com um beijo.


No motel elegante foi pior. As tórridas preliminares desencadeadas entre eles ao longo do caminho dentro do carro foram pouco a pouco substituídas, no tugúrio do amor, pela mesma mania solitária, tola masturbação digital. Súbito, viram-se nus lado a lado, com as costas coladas no espaldar da cama, as pernas estendidas no lençol, as mãos nas novas maquininhas de fazer doido numa compulsão de dar pena. As almas e os corpos em outra dimensão, o sexo desmoralizado. Na volta, consideraram-se vítimas de uma terrível síndrome, a de tentar sofregamente dominar o mundo, isolados e de olhos postos numa tela. “Não basta ser”, constatou ele, “tem que estar na foto e on line”. Despediram-se, cada um para a sua banda, acostumados com sua sorte.


Resignados, retornam ao seu (i)limitado paraíso. A um toque, milhões de dados se lhes oferecem. A segurança das senhas, das chaves, dos bloqueios. A navegação noite adentro nos mares ora revoltos ora tranqüilos da rede mundial de computadores. Não é mais preciso enfrentar a cidade lá fora, com seus medos e perigos; por este portal, vai-se a qualquer lugar na rapidez de um átimo. Viajantes do espaço-tempo comprimido, estão em todo e nenhum canto, suas muitas pegadas visíveis nos céleres feixes de elétrons. A experiência da vida vivida trocada pela representação da existência. Com seus inseparáveis tablets, ele e ela nas varandas dos seus apartamentos, interligados por um dedilhar de teclas, distanciados por quilômetros, separados por anos-luz.

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/romeuduarte/2013/12/09/noticiasromeuduarte,3174046/o-amor-nos-tempos-que-correm.shtml

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