A respeito do conjunto de decisões que a Prefeitura de Fortaleza apresentou para a Santos Dumont-Dom Luís-Praça Portugal, escrevi o seguinte (edição de domingo passado): “O conjunto proposto parece ser positivo, mais ainda é preciso analisar os detalhes”. Pois é! Como a sabedoria popular informa, o diabo mora é nos detalhes.

A respeito do tema, assisti atentamente a maior parte da exposição que o prefeito Roberto Cláudio fez na tarde de terça-feira para jornalistas do O POVO. Como os leitores sabem bem, ao longo dos últimos 18 anos, venho dedicando boa parte de meus textos à causa da cidade.

Diante do que foi apresentado, confirmei as expectativas positivas. A principal: a cidade ganha com a criação de novas quatro praças posicionadas na sequência das calçadas e substituindo a praça maior, que hoje é inacessível ao distinto público.

Parece não haver dúvidas quanto à criação de mãos únicas nas duas avenidas. Para isso, é preciso sacrificar os canteiros centrais e promover o transplante das sofridas árvores. A faixa exclusiva para o transporte coletivo e a ciclovia também são decisões que não geram contestações. Pelo contrário.

Mas, há um “mas”. É o tal do diabo que se abriga nos detalhes. Sabe-se que uma das explicações para a lentidão e baixa fluidez (palavra que justificou o projeto da Prefeitura) do trânsito de Fortaleza são os estacionamentos perpendiculares às vias mais movimentadas.

O prefeito confirma que a obra proposta não vai mexer nesses estacionamentos. Atentem: ao lado das ciclovias e das faixas exclusivas de ônibus, os estacionamentos serão mantidos. Conclusão: o trânsito nas duas grandes avenidas vai engarrafar com as constantes entradas e saídas (em ré) de automóveis dos estacionamentos.

Portanto, cairá por terra a ideia justificadora do projeto: fluidez. Provocado acerca do tema, o prefeito jogou a coisa pra frente. “O binário será feito como proposto agora. A questão dos estacionamentos diagonais vai para uma segunda etapa”. É uma pena.

É nesse “detalhe” que está o grande enfrentamento a favor da cidade. É a oportunidade de dotar uma importante zona do comércio de Fortaleza de um passeio largo, com paisagismo, sem a opressão e os males desses estacionamentos.

Imaginem, leitores, cada uma das laterais da Dom Luis com passeios de quatro metros, sombreados por árvores, com paisagismo e mobiliários urbanos, desaguando nas novas praças. É o que costumam fazer as melhores cidades do mundo. E cito essa via com mais vigor pelas suas ligações com as novas praças.

Mas, por qual motivo a Prefeitura não faz a coisa certa? Dinheiro não é. Custa pouco acabar com os estacionamentos e uniformizar aquelas calçadas. Sobra a desconfiança: pavor da possível reação de lojistas. É o que fica subentendido quando o prefeito deixa escapar o termo “docilidade” no futuro e possível trato da questão.

Os lojistas são viajados. Compram nas melhores lojas de ruas mundo afora. Podem até vir a apoiar a ideia. Uma boa (e doce) conversa pode resolver, principalmente quando os empresários perceberem que as calçadas largas serão favoráveis aos seus negócios.

Que se evite a “docilidade” usada para tratorar os casebres miseráveis do bairro Vicente Pizon. Lá eram cerca de 370 famílias. Certamente, mais que o número de comerciantes da Dom Luís. O fato é que é coisa para uma segunda etapa. Talvez em ano eleitoral. Talvez nunca. É lamentável.

A propósito, não seria uma experiência nova na cidade. Em 2012, a Prefeitura entregou a nova Bezerra de Menezes com ciclovias, faixas exclusivas para ônibus e sem os terríveis estacionamentos perpendiculares à avenida. Não sei se a coisa lá se deu com ou sem “docilidade”. O fato é que o bem estruturado e antigo comércio da área passou a conviver com a correta mudança.

Fonte: 

http://www.opovo.com.br/app/colunas/fabiocampos/2014/03/13/noticiasfabiocampos,3219357/a-docilidade-que-faltou.shtml?fb_action_ids=818169451543642&fb_action_types=og.recommends&fb_source=other_multiline&action_object_map=%5B1411961685729770%5D&action_type_map=%5B%22og.recommends%22%5D&action_ref_map=%5B%5D