As obras no novo aterro da Beira Mar projetam uma série de modificações urbanísticas na região, como o avanço da faixa de areia dentro do mar. As mudanças poderão ser prejudiciais para o meio ambiente?
Vanda de Claudino Sales Geógrafa, professora universitária e ambientalista
É verdade, o litoral de Fortaleza está sofrendo erosão: o Porto do Mucuripe, bem como a urbanização das dunas, barram as areias transportadas pelas correntes litorâneas e ventos, gerando penúria sedimentar a oeste, o que destrói praias. Mas o aterro proposto pela Prefeitura para resolver o problema, que exige inclusive espigão costeiro, não parece a solução adequada.
O aterro não amplia a erosão a oeste, mas impacta a fauna marinha. Corais serão dizimados e animais marinhos, como o boto-cinza e as tartarugas, terão habitat alterado. Por outro lado, o espigão projetado é impactante do ponto de vista cênico e paisagístico, distando de práticas não agressivas efetivadas em outras partes do mundo. Ainda, a engorda da praia não será definitiva: a erosão continuará, pois as areias permanecem sendo barradas e o nível do mar está subindo, dado o aquecimento global.
A solução definitiva seria a instalação de draga permanente no molhe do porto. As areias barradas seriam redirecionadas por recalque hidráulico para oeste e transportadas pelas correntes litorâneas, regenerando as praias de maneira natural - inclusive as de Caucaia -, eliminando ainda as necessidades de dragagens contínuas no porto. Pontualmente mais cara, essa solução a médio prazo seria mais barata, pois eliminaria aterros, espigões e dragagens eventuais. Por que tal proposta, dos anos 1950, não foi ainda implantada? Provavelmente porque não tem apelo político nem movimenta empreiteiras, que por sua vez movimentam a elite política local. E essa elite, percebemos, não olha para carências mais urgentes na capital.
Circula há alguns anos em Fortaleza a informação equivocada de que "o Aterro da Praia de Iracema, construído no ano 2000, provocou erosão costeira na Praia do Icaraí". Notícia falsa, que, repetida, parece ser verdadeira. Preocupado com tal fato, o Ministério Público Federal solicitou-nos a elaboração de um parecer técnico analisando o impacto da construção do atual aterro da Beira Mar de Fortaleza sobre o litoral de Caucaia.
O Laboratório de Gestão Integrada da Zona Costeira (Lagizc), da Uece, elaborou esse parecer técnico ambiental que está disponível ao público na página da Uece.
O parecer tem base em dados concretos, desde a construção do primeiro ancoradouro em Fortaleza, em 1806, e nas dezenas de trabalhos acadêmicos, e comprova cientificamente que o aterro da Beira Mar não causará erosão ao litoral de Caucaia, ao contrário, poderá ser benéfico, pois recompõe a praia e alimenta o sistema com sedimentos.
Muitas são as razões para essa conclusão, entre as quais duas merecem destaque: a primeira é que o aterro será construído na "zona de sombra das ondas" protegida pelo molhe do porto do Mucuripe, área em que o transporte de sedimentos é desprezível, sem haver bloqueio das areias que poderiam ser transportadas para o litoral de Caucaia. A segunda razão é que a Praia do Icaraí já havia sido erodida em mais de 200 metros entre 1968 e 1996, quatro anos antes da construção do aterro da Praia de Iracema.
Aos que têm interesse técnico em conhecer as causas da erosão ao longo do litoral de Fortaleza a Caucaia, recomendamos a leitura completa do parecer.
FONTE: OPovo