Símbolos de imponência, vitrais se destacam na arquitetura de prédios históricos de Fortaleza

Qui, 03 de Outubro de 2019 15:00



Técnica milenar, os vitrais surgem como um elemento de iluminação na arquitetura e ganham status de arte. Em Fortaleza, existem peças representativas em igrejas e órgãos públicos

Peças da Catedral referenciam tradição da Igreja pelos vitrais
FOTO: NATINHO RODRIGUES

A peça colorida pelo sol demonstra austeridade logo na entrada do imponente prédio da Secretaria da Fazenda (Sefaz), no Centro de Fortaleza. Instalado na escadaria do palácio, o vitral está ali desde a inauguração do espaço, no fim da belle époque fortalezense, em 1927. Nessa época, a Capital ainda vivia sob influência dos costumes europeus, fruto do sucesso comercial que o Estado experimentava no período com a exportação de produtos agrícolas, como o algodão.

O próprio prédio da Sefaz reflete, na sua imponência, a transformação que a cidade vivenciou no período. A elegância do vitral é também uma forma de demonstrar que a cidade pequena alcançava tamanho de metrópole.

Instalado na sede do órgão responsável pelo recolhimento de tributos, a peça da Sefaz traz elementos que remetem à atividade econômica do Estado. O algodão e o café, por exemplo, compõem a arte, assim como a Maria Fumaça, que é uma referência aos transportes e ao escoamento da produção local.

Quase centenária, a peça resguardada no interior de uma repartição pública e pouco inserida no imaginário cearense ganhou notoriedade em julho, quando começou a ser restaurada pelos alunos da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, após convênio entre a Sefaz e a Secretaria Estadual da Cultura (Secult). O trabalho só deverá ficar pronto em outubro.

O restauro, o segundo desde a inauguração do prédio, deverá ser concluído em outubro e coloca em questão a existência de outras peças da arte vitral em Fortaleza.

Fruto de uma atividade milenar de manipulação do vidro, os vitrais são elementos elegantes que se inseriram na cultura brasileira, principalmente, a partir das décadas de 1920 e 1930. Na Capital, além da peça da Sefaz, os vitrais têm ainda presença em outros prédios representativos de Fortaleza.

Peça da Sefaz começou a ser restaurada em julho
FOTO: JL ROSA

CULTURA SACRA
A Catedral Metropolitana de Fortaleza ganha destaque pelos vitrais que circundam todo o tempo e se ampliam no altar. Desenhados por Dom Antônio de Almeida Lustosa, as peças representam apóstolos, sacramentos, mistérios do rosário, anjos, evangelistas, além de figuras bíblicas e santos. Originários da Alemanha e da Áustria, os 200 vitrais se unem em uma espécie de "catequese visual", conforme explica o padre Clairton Alexandrino, pároco da igreja.

Ele percebe as peças como uma forma de preservar a cultura bíblica e de fazer referências às antigas práticas da Igreja Católica. "Quando as pessoas não tinham instrução, a igreja lançava mão da arte para poder evangelizar. Evangelizava pela palavra e pela arte. Muitos aprendiam as lições da catequese e da bíblia através disso", explica.

Comum em templos religiosos ao redor do mundo, os vitrais ganharam difusão no período gótico europeu, entre os séculos XII e XIV, quando os vidros começaram a ser manipulados a ponto de poder ser comercializados na forma plana. As peças também começaram a ganhar cores.

Com a possibilidade de serem moldados, os elementos eram encaixados em estruturas de chumbo e adornavam as igrejas do estilo gótico. Todo esse trabalho demandava investimento alto. Os vitrais, desde esse período, funcionavam também como um forma de mostrar imponência econômica.

"Tudo era muito caro. Isso só vai ser usado por instituições muito ricas, principalmente, a Igreja", acrescenta o professor Pedro Boaventura, do curso de Arquitetura da Universidade de Fortaleza.

A prática influenciou a instalação dos vitrais em modelos mais modernos de templo. Em Fortaleza, as peças podem ser vistas em outras edificações religiosas, como a Capela da Imaculada Conceição (Igreja do Pequeno Grande), edificação de 1903, que mantém vitrais no altar.

No Santuário do Sagrado Coração de Jesus, os vitrais circundam o templo no Centro de Fortaleza
FOTO: NATINHO RODRIGUES

A Igreja do Sagrado Coração de Jesus também preserva peças que trazem representações religiosas e santos ao longo de toda a edificação. Até construções mais modernas mantém o artefato, como a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, inaugurada ainda na década de 1950.

O templo possui na entrada um grande vitral que forma a imagem da santa padroeira. A imagem compõe a arquitetura do prédio e se ilumina à noite dando característica ao prédio localizado na Avenida 13 de Maio.

MARCANTES
No Brasil, os primeiros vitrais chegaram no fim do século XIX, a partir de encomendadas da Europa. As peças eram associadas a edificações da elite. Ao longo dos anos, o item se difunde em construções pelo País impondo certo aspecto austero aos espaços.

E não é só nos templos religiosos que a peça ganha destaque. Exemplo disso é o Theatro José de Alencar, construído em 1910, e que tem como uma das marcas os vitrais coloridos no topo da fachada da Sala de Espetáculos, onde está afixado o letreiro do equipamento. Parte da estrutura de ferro fundido importada de Glasgow, na Escócia, os vitrais do Theatro são marcantes na estrutura do prédio.

Vitral da fachada da Igreja de Fátima homenageia a padroeira da paróquia
FOTO: LUCAS MENEZES

Originalmente, os vidros da peça vieram da Bélgica e já mantinham o colorido que identifica a entrada do teatro. O vitral está no lugar desde a inauguração da casa de espetáculos, em 1910. Ao longo dos anos, algumas peças foram repostas e descaracterizaram a originalidade do vitral, que foi recuperada na última grande reforma que o teatro passou, em 1991.

Fachada do Theatro José de Alencar é marcada pela peça colorida
FOTO: NATINHO RODRIGUES

"O colorido dele dá um destaque muito especial àquela arquitetura. Mas, diferentemente do vitral da Sefaz, por exemplo, ele não tem uma mensagem direta. A função dele é iluminar o espaço, mas marcaram tanto que passam a identificar a edificação", comenta o arquiteto Francisco Veloso, que durante anos esteve responsável pelas vistorias na estrutura do prédio, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O caso do Theatro José de Alencar é um exemplo de como os vitrais se sobressaem na arquitetura dos lugares e extrapolam uma função meramente decorativa. Mais do que isso, eles podem marcar a memória e a história de uma cidade.

 

 

Matéria do Diário do Nordeste.

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