O Acquário segue a linha da arquitetura do espetáculo (...) A questão é saber se a novidade que ele procura significar não é simples-mente a imagem do consumismo vigente
Uma das grandes questões da atualidade no âmbito do fazer arquitetônico é a discussão acerca da existência, coexistência ou confronto de dois paradigmas: um proveniente da noção de espaço estável, duradouro, que produz uma arquitetura constituída por elementos perfeitamente localizáveis; e o outro derivado da noção de espaço instável, fluido, que gera uma arquitetura que agrega às suas estruturas construídas uma profusão de efeitos especiais.
Do primeiro paradigma emergiria, segundo o filósofo francês Paul Virilio, um espaço composto pela noção do todo que se relaciona e se harmoniza com suas partes; no segundo, o espaço seria composto por partes desintegradas e fraturadas, utilizando o grande aparato tecnológico da era digital. Este geraria o que Virilio chama de “espaço acidental”, em confrontação com o “espaço substancial” proveniente da concepção que considera o edifício um artefato duradouro.
Algumas concepções arquitetônicas atuais procuram expressar a ideia de que a arquitetura passou da hegemonia do espaço fechado e estável para o que alguns estudiosos chamam de “antropologia cultural das superfícies”. É o caso do Acquário Ceará, concebido no âmbito da lógica da fragmentação dos valores plásticos ou ao que filósofo italiano Gianni Vattimo chama de estetização, a construção de um cenário com o fim de promover o espetáculo, a sedução visual, o simulacro – a despeito das relações entre forma, função e conteúdo.
Independente do espaço ser substancial ou acidental, incidirá sobre ele os mesmos determinantes que podem conduzir ao modo como a edificação será implantada no terreno, suas relações com o lugar, o sistema estrutural escolhido, etc, e, finalmente, o resultado formal do conjunto edificado. É, sobretudo, nesta última decisão que a dimensão artística se manifesta, com o resultado plástico em sintonia com as outras decisões projetuais (para o caso da arquitetura substancial) ou não (para o caso da arquitetura acidental). A forma, portanto é autônoma para o segundo caso e não é para o primeiro, embora a intenção plástica esteja presente em ambos.
No espaço substancial ela se manifesta como uma “verdade naval”, como um barco, que é um artefato dos mais expressivos plasticamente mas que é resultante da sua necessidade de navegar. A arquitetura acidental, por sua vez, não concentra seu discurso nos programas arquitetônicos nem na relação forma-função-estrutura. O interesse mesmo é compor o território para além do efeito material das estruturas construídas. A boa arquitetura no âmbito dessa compreensão teórica parece estar na exploração das possibilidades das tecnologias da computação gráfica em criar superfícies envoltórias maleáveis e envolventes com o intuito de criar um novo modo de fruição estética.
O Acquário segue a linha da arquitetura do espetáculo, um espaço acidental que poderá até ser capaz de suscitar a fruição estética no usuário. A questão é saber se a novidade que ele procura significar, mesmo vendida como fruto da capacidade tecnológica atual, não é simplesmente a imagem do consumismo vigente que prega a contínua “renovação” das coisas, dentre elas os edifícios. A ser deste modo, a novidade não terá nada de revolucionário, pois reduzirá a experiência da realidade a uma experiência de imagens, levando à alienação.
Antônio Martins da Rocha Jr.
rochajr@unifor.br - Arquiteto, prof. do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unifor e membro da Diretoria do IAB-CE
Fonte: O Povo