Nas entrelinhas

Seg, 07 de Dezembro de 2015 14:40



A José Nilo Albuquerque

 

Bom dia, como vai, posso me sentar aqui ao seu lado? Então é verdade, o senhor anda mesmo de ônibus para cima e para baixo, não é? Aliás, posso chamá-lo de você? Afinal, temos, acho, a mesma idade. O quê, 56?! Ah, então, você, ou melhor, o senhor é bem mais velho do que eu. Desculpe a brincadeira, é que sou assim mesmo, despachado. Sou seu leitor fiel, toda segunda-feira, de manhã cedo, já estou com o jornal na mão. Nos fins de semana fico imaginando que assunto você vai abordar. Quando é que você escreve a crônica? Aos sábados, no escritório? Pois então você está indo até lá para cometê-la, digo, escrevê-la, não? Não se chateie, foi só um chiste, como você gosta de dizer. Mas, me diga, qual vai ser o tema da próxima? Sou curioso e, quem sabe, como seu leal seguidor, possa definir, junto com você, o mote da que vai nascer. E aí, tem acompanhado a política nacional? Pelo que tenho lido da sua lavra, você certamente será contra o impeachment da Dilma e a favor da queda do Cunha, não? Batata. Meu palpite? Sou apolítico, isso para mim é apenas um jogo. Que tal explorar esse filão, meu amigo? Uma mesa de pôquer, os citados personagens e mais outros mandando ver nas cartas, ambiente enfumaçado, muita tensão, o Temer dando uma de peru. Seria o máximo, não? Como?! Previsível demais?! Vai descer onde? No Joaquim Távora? Então temos tempo de sobra para escolher o tópico. Agora você não escapa, sabidinho: e quanto às moléstias transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti? Já imaginou um texto com uma mulher grávida com dengue, o marido com zika, o bebê do casal com chikungunya e, de quebra, sendo portador de microcefalia? Um arraso, não? Não, ao contrário, não vejo crueldade nenhuma nisso, é só literatura! Para escrever, meu caro, é necessário ter coragem, algo que, me parece, você vem perdendo. Por falar nisso, um desafio: já pensou criar uma história tendo como protagonista um militante do Estado Islâmico, morador do Montese, com a missão de explodir o Shopping Parangaba? Eu sabia, amarelou, não é?! E outra com um torcedor do Ceará mostrando, tim-tim por tim-tim, que a vitória do Vozão contra o Macaé foi, de vera, uma ação para vingar o Tricolor de Aço? Qual foi, acovardou-se de vez agora?! Esse negócio de ficar falando de arquitetura, música e poesia é para os fracos. Seus leitores querem é tapioca com sangue, creia-me. Ouça esta: uma Fortaleza futurista e apocalíptica, cuja moeda é o crack, dividida entre as gangues do Curió e do Pirambu. Só chamando o Kubrick para filmar, não? Sombrio, é?! Além da audácia, falta-lhe imaginação, rapaz! Sabe de uma coisa?! Cansei de tentar lhe ajudar. Conheço bem o seu tipo: vocês, metidos a escritor, são todos assim, boçais e ensimesmados. Siga o seu destino. Vou descer na parada que vem. Um aviso: se você aproveitar alguma ideia minha, arrume um bom advogado, pois gravei tudo, feito o filho do Cerveró, e o processo vai comer de esmola. Como disse o Machado, para que servir de agulha a linha tão ordinária? Abre a porta aí, chofer, que o ar está irrespirável...

 

Coluna do Arquiteto e Urbanista,Romeu Duarte, publicada originalmente no jornal O Povo do dia 07/12/15

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