COLUNA ROMEU DUARTE: O OBSERVADOR DA FOLIA

Seg, 15 de Fevereiro de 2016 09:37



Cuidadosamente paramentado com um kufiya (na verdade, uma fronha velha presa na cabeça com um elástico de cabelo das minhas filhas), o que me dava ares de califa do EI, ou a bordo de um panamá tão legítimo quanto surrado (dir-se-ia um músico de son cubano), curti os quatro dias de Momo na Loura, devidamente acompanhado da patroa. O Carnaval de Fortaleza deste ano entrará para a história como um divisor de águas, para o bem ou para o mal. Que foi um sucesso, não resta a menor dúvida. Presenciei a vontade de brincar em paz, o desejo renovado de ocupar o espaço público, a irreverência aliada à fuleiragem, esta, quem sabe, a melhor característica da nossa pagodeira. O lema punk “do it yourself” foi a palavra de ordem. Senões houve, sim, a corrigir.

 

No sábado, base feita pela manhã no Bar do Nonato, toca todo mundo para o Mercado dos Pinhões, já que o Luxo da Aldeia estava mandando brasa por lá. A Praça Visconde de Pelotas entupida de gente, um calor de matar beduíno, Lauro Maia, Evaldo Gouveia, Fausto Nilo e Ednardo troando nas caixas de som. Pense numa galera sedenta, Seu Zé, por álcool e beijo. O azul de Jezebel no céu de Calcutá do baile ultra-lotado dos Belchiors. Domingo, pé de cachimbo, o Sanatório Geral liberou total, logo cedo, a Lagarta de Fogo pelas ruas da Gentilândia. Filosofia momina: a gente se fantasia para se desfantasiar. Enfermeiras, anjos, monstros, misses, pin-ups, Fridas, homens-bomba, vale tudo. Pausa para descanso para depois, após o Alpendre, enfrentar a Mocinha.

 

A segunda-feira amanheceu radiante com a promessa de um tremendo samba de mesa no Flórida, que se cumpriu amplamente. Alicerces etílicos levantados, rumo novamente ao Luxo para sua última apresentação. O antigo pavilhão de ferro fundido tremia ante a pancada sonora da banda vestida de caça-fantasma. Foi só a lua nova sair para os brincantes tomarem o caminho do Largo da Mocinha, cujos frequentadores, aliás, em termos de faixa etária, não fazem mais jus ao topônimo. Na terça, ante-sala das cinzas, o clima abafado nos reservou uma bela surpresa no firmamento gentilandino: um grande halo irisado coroou as estripulias do Sanatório. Vítima de insolação e virose, a ex-máquina mortífera sucumbiu. Adeus, Gata Pira e o corso na Domingos Olímpio.

 

Problemas? Vários: a falta de apoio dos poderes públicos, traduzida na livre circulação de veículos em áreas que deveriam ser reservadas aos pedestres e na inexistência de policiamento e zoneamento de atividades de comércio e serviços. A inadequação das festas aos logradouros onde se dão, por razões de escala ou de desenho urbano, pode ser a causa da degradação de muitas delas. A pobreza em termos de qualidade espacial e arborização de nossas praças e largos impõe que repensemos os locais das aglomerações. Nosso Carnaval deverá aumentar de tamanho, a partir do incremento do número de blocos de bairro, tal como ocorre no País. Conselho: o interesse turístico que o nosso festejo poderá despertar estará ligado à sua essência. Chega de Fortal...

 

 

Coluna do arquiteto e urbanista, Romeu Duarte publicada originalmente no jornal O Povo do dia 15/02/2016

Reportar bug