O edifício São Pedro e o descaso com o patrimônio edificado em Fortaleza

O Instituto de Arquitetos do Brasil-Departamento do Ceará (IAB-CE), vem a público manifestar sua posição contrária ao processo que culminou na decisão de demolição do Edifício São Pedro, localizado na Praia de Iracema, em Fortaleza- CE, iniciado pela Prefeitura no último dia 05/03/2024, expondo as seguintes razões e proposições.

O IAB-CE é uma entidade da sociedade civil, constituída desde 1957, formada por livre associação de arquitetos(as) e urbanistas, que representa a categoria junto aos poderes públicos e órgãos paraestatais nos debates sobre questões urbanas vinculadas ao território estadual e políticas de diversas naturezas, incluindo a preservação do patrimônio cultural.

Presente na paisagem da Praia de Iracema, desde 1951, o São Pedro – edifício de propriedade privada – é um fato arquitetônico com substância histórica e plástica, por estender o uso habitacional e hoteleiro para além da área central da cidade, portar avanços tecnológicos pelo uso do concreto armado em sua estrutura e apresentar expressividade plástica em sua composição arquitetônica, fatores que fizeram surgir o sentimento de afetividade na população em relação ao imóvel. É um edifício-símbolo dos anos 1950, ponto de interesse espacial da Praia de Iracema, força imagética e marco visual em meio ao tecido urbano do bairro.

Com o início recente da demolição pela Prefeitura da edificação, utilizando recursos públicos para tal, o sentimento de parte da população é de comoção e dúvidas, atrelados à falta de transparência e à falta de efetivação do seu tombamento definitivo.

Convém lembrar que o Edifício São Pedro apresentou problemas de habitabilidade ainda durante a década de 1990. Teve, em 2006, o início do processo de tombamento municipal, seguindo-se de projeto de intervenção apresentado ao Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico- Cultural- COMPHIC, e, posterior arquivamento do tombamento provisório. O IAB-CE sempre se colocou a favor da sua preservação, manifestando-se contrário a intervenções que, no entendimento da Instituição, desfiguravam o bem histórico. 

Os motivos alegados para a demolição são públicos, a precariedade do seu estado de conservação é visível, onde a segurança e a vida das pessoas residentes no prédio e que passam pelo entorno são motivo de preocupação das autoridades. Alega-se que suas estruturas, de tão deterioradas, não mais suportam as cargas da edificação. Entretanto, tal precariedade decorre da omissão e da negligência com a preservação do edifício, o que levou à atual situação. Na verdade, existem diversas alternativas técnicas para os impasses que envolvem a questão -que vão desde a restauração integral do edifício, passando pela sua consolidação, estabilização, reutilização, requalificação, conversão funcional- preservando a volumetria original da edificação.

Infelizmente, assim como o Edifício São Pedro, diversos outros imóveis, registros materiais que guardam a memória de Fortaleza e contam a história do desenvolvimento da nossa cidade caminham para o mesmo fim -como é o caso da Escola Jesus Maria José, da Casa do Português, do Lord Hotel, da Chácara Salubre, da Vila de Arronches, da Ponte Metálica, Bangalô Aristides Capibaribe, do Farol do Mucuripe e tantos outros- enquanto não for implementada uma eficaz política de gestão do patrimônio, incluindo a criação de um órgão técnico com autonomia, formado por profissionais habilitados e concursados.

A preservação do patrimônio edificado apresenta problemas de financiamento em todo o mundo e em especial, em nosso país. Há décadas, o IAB vem propondo, nacionalmente, a implementação de políticas de redução de impostos, compensações pelo direito de construir, linhas especiais de financiamento e outros incentivos, visando garantir a preservação do patrimônio sem onerar os proprietários dos bens. A legislação atual já contempla diversos desses instrumentos, enquanto alguns carecem de regulamentação e de decisão política para a sua implementação.

Para o caso da demolição iniciada do Edifício São Pedro, o IAB-CE propõe a suspensão imediata da demolição, com a construção provisória de escoramentos que garantam a sua estabilização, seguida da formação de uma comissão técnica, a ser convocada pela Prefeitura de Fortaleza com a participação de segmentos especializados do poder público e da sociedade civil nas áreas de arquitetura, patrimônio cultural, engenharia, segurança em edificações e jurídica, dentre outros segmentos, visando atenuar o sentimento de dúvidas, ampliar a transparência no processo e compartilhar decisões.

Fortaleza- CE, 08 de março de 2024

Diretoria do Instituto de Arquitetos do Brasil- Departamento do Ceará