Romeu Duarte escreve em sua coluna no jornal O POVO: Filosofia de botequim

Seg, 27 de Janeiro de 2014 09:12



Romeu Duarte, Conselheiro Vitalício do IAB- CE e Ex-Presidente da entidade Nacional, escreve em sua coluna semanal, no Jornal O POVO.

A topic que vai lotada para Messejana, uma piada da Rossicléa, ... são tão fuleiragens quanto a passarela metálica furreca defronte ao Centro de Eventos.

 

À mesa amiga, galhofeira e zoadenta do Raimundo do Queijo, pediram-me uma definição contemporânea de fuleiragem e molecagem, vocábulos tão queridos e praticados nesta Taba de Alencar. Aceitei o desafio da árdua tarefa, mesmo sabendo que gente da estirpe intelectual de um Quintino Cunha e de um Leonardo Mota já tinha navegado com seus barcos de grande calado por essas revoltas águas. “Quem sabe não atualizo as significações desses verbetes?”, pensei com meus botões, que me responderam em uníssono de suas casas: “Pretensiosinho, hein? Fuleiragem de moleque ou molecagem de fuleiro?”. Sorvendo a penúltima, pedi uma semana para dar conta do recado, alegando sua complexidade. “É muita fuleiragem”, disse o cego sanfoneiro.


Em casa, rodeado de dicionários físicos e virtuais, iniciei minha exploração nas selvas dos significados e étimos das duas palavras. Fuleiragem vem de fuleiro, “coisa ou pessoa de baixa qualidade, irresponsável, gaiata”, expressão derivada do calão lusitano “foleiro”, que quer dizer “mau gosto”. Fuleiragem seria então o feito de uma pessoa desqualificada ou então descomprometida, porém amigável. Por sua vez, molecagem é coisa de moleque, que tanto pode ser “menino que vive na rua” quanto “indivíduo sem compostura, indigno de crédito”. Assim, molecagem é arrumação de fedelho danado e também patifaria. Ou seja, dois termos nômades, que vão e vêm de um polo negativo a outro positivo, curtindo horrores com a cara alheia, alencarinos até a medula.


Mas, para além das letras, há a vida, que a tudo transforma e empresta novos sentidos. Oscilando entre o pejorativo e o esperto, a fuleiragem pode se constituir numa tremenda sacanagem, em algo sem valor aparente ou numa brincadeira desobrigada de razão. Um pacote de chegadinha, a topic que vai lotada para Messejana, a quentinha de frango com baião comida no sol quente, uma piada da Rossicléa, os CDs piratas do Buraco da Jia são tão fuleiragens quanto a passarela metálica furreca defronte ao Centro de Eventos, a butique com nome estrangeiro impronunciável no Meireles e o vinho de marca misturado com o rango xing-ling. Fuleiragem é substantivo que é ruim e bom ao mesmo tempo, depende do prisma, tudo vale a pena se a alma não se aliena.


Já a molecagem, penso, está mais para o verbo, o ato de realizar a baixaria, odiosa para quem a sofre, agradável para quem dela sorri, fundamental para quem sobre ela reflete. Que o diga o Astro-rei, que em janeiro de 1942, por ter frustrado quem esperava uma copiosa chuva na Praça do Ferreira, foi vaiado com estrépito por um grupo de circunstantes, todos certamente moleques, alguns até de idade avançada. Acolher com sarcasmo as tragédias do cotidiano, nossa marca registrada, é costume que refinamos ao longo do tempo, para o bem e para o mal. Damos fé disso tanto na dança do jumento encenada pelo Falcão quanto na gaitada movida a uísque do bacana atolado até o pescoço no podre escândalo dos banheiros. Afinal, o Cine Holliúdi é aqui.


Haveria semelhanças, pontos de contato entre essas duas palavras? Que critérios usaremos para abrigar nos espaços que constroem, com suas sonoridades, coisas e ações recentes tais como a adutora quengada de Itapipoca, os dólares na cueca do assessor parlamentar, os viadutos e a “colcha de retalhos” do Parque do Cocó, os políticos inimigos figadais no passado e hoje de mãos dadas, trocando beijinhos? Atarantado, encontro-me mais confuso e menos sabido do que no começo. Em algum ponto, perdi-me na determinação do in e do out dessa história toda, ofício, aliás, safado e sem futuro. É, parece que não conseguirei cumprir o meu intento. Candidato a bater fofo com a turma boa da Travessa Crato, mais um moleque fuleiro na praça.

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/romeuduarte/2014/01/27/noticiasromeuduarte,3196826/filosofia-de-botequim.shtml

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