Roberto Burle Marx foi artista de um gênero raro. Reconhecido pelo toque de Midas que criava beleza, tinha formação de pintor, mas foi como paisagista que se consagrou. Burle Marx pintou jardins em meio às selvas de pedra. Valorizou a flora brasileira e, como isso, acabou criando um estilo único que o fez famoso Brasil afora. Nascido em 4 de agosto de 1909, o artista chegaria este ano ao centenário. Nesta edição, o Caderno 3 revisita seu legado


Aos 19 anos, Roberto Burle Marx sofria de problema nos olhos que levou sua família a se fixer brevemente em Berlim em busca de tratamento. Na Alemanha, ficou dividido entre o fascínio pelas plantas, que havia herdado da mãe, Cecília, e pela pintura de mestres modernistas europeus, como Paul Klee e Pablo Picasso. Burle Marx decidiu estudar pintura, e por toda a vida fez arte com os pincéis. Mas foi sem eles que conquistou mais admiradores. Suas naturezas mortas, elogiadas pelo poeta e crítico de arte pernambucano Manuel Bandeira, ficaram em segundo plano em relação à vivacidade de seus jardins. Obras de arte que, ao invés de imitar a realidade, a transformavam.

Paulista, nascido em 4 de agosto de 1909, Burle Marx chegaria agora aos 100 anos. Sua presença ainda pode ser sentida e, diferente de outras obras de arte, ela se dá no contato com objetos vivos, em espaços exuberantes que projeto para diversas cidades do País e do mundo. Em Fortaleza, deixou mais de uma dezena desses jardins (leia mais sobre suas obras cearenses na matéria das páginas 4 e 5).

Homem de sete ofícios

Burle Marx é um personagem curioso na história das artes brasileiras, não apenas por ter exercido diversos ofícios ligados a elas, caso da pintura, do canto. Quem acompanha sua biografia, esbarra com grandes acontecimentos e personalidades culturais. Quando residiu na Alemanha, seu painel de fundo era o do Modernismo, já estabelecido. Quando voltou ao Brasil, ingressou na Escola Nacional de Belas Artes, e teve por colegas figuras chaves da arquitetura moderna, caso de Oscar Niemeyer.

Entre São Paulo e o Rio de Janeiro, teve tempo de conviver com uma geração mais velha, dos heróis dos primeiros tempos de modernismo, caso dos poetas Mario de Andrade e Manuel Bandeira, além de “jovens”, como a escritora cearense Rachel de Queiroz. Aí já ia longe a década de 1930, precisamente aquela em que seu nome se firmou com um dos grandes da arte brasileira do século XX.

Foi no Recife, que Burle Marx pode se tornar o paisagista celebrado que conhecemos. À frente do Departamento de Parques e Jardins de Pernambuco, ele consolidou seu projeto estético. Ao invés de copiar os jardins da Europa, ou mesmo das principais metrópoles do País, Burle Marx surpreendeu ao valorizar a flora nativa. Radicalismo que remete ao entusiasmo com nossas particularidades que foi um dos pilares do Modernismo de 1922.

Antes de morrer, em 5 de junho de 1994, Burle Marx deixou prontos mais de 2 mil jardins, dentre os mais famosos estão o Aterro do Flamengo e o que circunda o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

“Uma das características do trabalho dele era esta busca pela vegetação do lugar de origem, de onde fazia o projeto. Nos jardins do Ceará, ele procurou utilizar plantas do nordeste. Esse foi um dos legados dele, uma coisa fantástica que chamou atenção para seu trabalho fora do país”, explica a paisagista Valéria Maldonado.

Admiradora confessa de Burle Marx, Maldonado chegou a se encontrar com o mestre em seu sítio em Guaratiba, no Rio de Janeiro, onde hoje funciona o Sítio Roberto Burle Marx, espaço dedicado a sua memória e um dos maiores acervos de vegetação tropical do mundo. Passados 15 anos da morte do mestre, ela o reencontra no projeto de restauração de um dos jardins que ele assinou em Fortaleza, no casarão que receberá a Casa Cor (veja matéria abaixo).

“Ele deu uma contribuição imensa para nossa flora. Para você ter uma idéia, existem cerca de 50 plantas que foram descobertas por ele”, descreve a paisagista. Valéria Maldonado terá a oportunidade, um tanto árdua, de refazer os passos do mestre. “O que ainda existe do projeto são as plantas de grande porte, árvores e palmeiras, além do lago que foi feito nesta casa, da rua Barão de Tauá. Agora, todas as planta de porte médio e pequeno se foram. Tentaremos recompor de forma que o jardim fique o mais próximo possível da forma que ele projetou. Já mandamos buscar plantas de outros estados. É um trabalho difícil, uma homenagem a ele. E toda homenagem é pequena para o trabalho da Burle Marx”, detalha.

Homenagem na Casa Cor 2009

Burle Marx é gente de casa. Bem que este poderia ser o tema da Casa Cor Ceará 2009. Pautado na idéia de sustentabilidade, o evento homenageia o paisagista. Nada mais apropriado, já que a arte de Burle Marx passava por um cuidado com a natureza. Antes da ecologia virar moda e agendar discussões.

O exposição de arquitetura e decoração acontece entre os dias 30 de setembro e 10 de novembro, num casarão localizado na rua Visconde de Mauá, 1000. O projeto original do jardim foi assinado pelo mestre paisagista e será recuperado para o evento.

Burle Marx será a principal referência em alguns dos 60 ambientes da Casa Cor, conta Liana Feingold. Ao lado da sócia Laura Rios, a arquiteta será responsável pela Galeria Escada. Entre os atrativos do local, releituras de grafiteiros para o trabalho de Burle Marx. “Não queria uma reprodução, mas uma ligação original com a obra”, conta. No casarão, três corredores receberão obras do artista numa galeria que levará seu nome.

DELLANO RIOS
REPÓRTER
FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE, 02/08/09

Outras matérias sobre o paisagista estão disponíveis no site do jornal Diário do Nordeste: http://diariodonordeste.globo.com/caderno.asp?codigo=3&CodigoEd=2620