Do seu gabinete com vista para o estaleiro do World Trade Center, o arquiteto Luís Mendes vê nascer um monumento a que está ligado desde a remoção dos escombros das torres gémeas há dez anos, mas com orgulho mitigado.
Por Agência Lusa
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Do seu gabinete com vista para o estaleiro do World Trade Center, o arquiteto Luís Mendes vê nascer um monumento a que está ligado desde a remoção dos escombros das torres gémeas há dez anos, mas com orgulho mitigado.
Ao olhar para as obras “sinto-me cansado”, afirma em entrevista à Lusa este natural de Lisboa (freguesia do Castelo) a residir nos Estados Unidos desde 1974, vice-presidente para o Desenho e Construção do Monumento e Museu às vítimas do 11 de setembro.
A poucas semanas da inauguração da primeira fase do projeto do novo World Trade Center, o monumento às quase 3.000 vítimas mortais dos atentados do 11 de setembro de 2001, o escritório da comissão criada pela cidade de Nova Iorque está cheio, com trabalhadores à secretária ou em reunião, ultimando pormenores pela noite dentro.
Numa parede junto à entrada, a chamada “bandeira de honra” norte-americana, onde estão inscritos os nomes de todas as vítimas. Ao fundo do corredor, um relógio a contar os dias para a inauguração.
Uma conversa com “Lou” Mendes é interrompida, cada dez minutos, ou menos, pelo tocar do telemóvel ou por alguém que bate à porta do seu gabinete.
“Vou dormir 3 horas por noite nas próximas semanas”, lamenta Mendes, num dia em que o ‘mayor’ Michael Bloomberg decide ir ver `in loco´, e à última hora, o andamento das obras.
Batizado de “Refletindo a Ausência”, o monumento será inaugurado no próximo dia 11, numa cerimónia privada para as famílias de vítimas.
O projeto prevê uma praça arborizada de quase seis hetares, com duas fontes no local onde assentavam as Torres Gémeas, água a correr nas paredes interiores e os nomes das vítimas gravados em bronze no rebordo.
Quando se tem em mãos um trabalho tão sensível para milhões de norte-americanos, e de tantos (700) milhões de dólares e entidades, será que se pensa nas famílias?
“O meu dia a dia é muito complicado, não dá para parar. Não é só a parte da construção, do desenho, dos orçamentos. É também a parte política”, diz Mendes.
“É um trabalho que envolve muitas opiniões de certas pessoas, certas entidades a querer mudar o rumo (…) às vezes é um bocado difícil bater o pé [a alterações ao projeto], depende de quem está a pedir”, lamenta.
Esta é a maior obra que Mendes já teve em mãos, superando os trabalhos de remoção dos escombros dos atentados, a partir de 2001, quando estava no Departamento de Projetos Especiais da câmara de Nova Iorque.
“É uma obra que fica aqui para o resto da eternidade. Para os meus filhos, para os filhos deles”, diz.
“As pessoas que vieram trabalhar numa terça-feira, infelizmente nunca voltaram a casa. Poder construir uma estrutura dessas em nome delas realmente dá muito orgulho, também pelo significado que tem.”.
Mendes foi chamado ao Ground Zero logo nas primeiras horas após os atentados, quando estava no escritório de projetos especiais, em Queens.
“Recebi um telefonema: `Vem para baixo, traz o que puderes e vamos começar a orientar´. Trouxemos trabalhadores, maquinaria, gruas”, afirma.
“Quando cheguei aqui pensava que estava dentro de um filme, não podia acreditar que uma coisa destas podia ter acontecido”, recorda.
No trabalho de 24 sobre 24 horas, o “mais difícil” foi quando começaram a encontrar vítimas e restos humanos, o que obrigava a paarar para identificação e houve até cerimónias improvisadas com famílias no local.
“Encontrávamos a parte humana, parávamos para que o corpo fosse removido, havia uma escolta desse corpo. Essa parte humana foi muito importante”, afirma.
Alguns que estiveram no terreno ainda hoje enfrentam sequelas físicas e psicológicas, outros “tiveram de andar em frente”, como o arquiteto.
“Tive de passar essas coisas. O trabalho acaba e temos de pensar noutro trabalho. Não posso ficar a pensar no passado”, afirma.
Fonte: IOnline