Superintendente do Iphan da Bahia opina sobre desapropriações
O superintendente do Iphan- Regional da Bahia, Carlos Amorim, entra na polêmica do decreto
do prefeito João Henrique (PMDB), que declarou como utilidade pública para fins de desapropriação uma faixa de 324 m2 na orla da capital baiana sem divulgar projeto oficial.
Esse ato gerou desconfiança em políticos, historiadores, arquitetos e urbanistas e pesquisadores de planejamento urbano. A falta do projeto para a intervenção – prometido para outubro – e a “participação voluntária” de arquitetos e empresários tem ampliado a desconfiança sobre o que virá após o decreto.
Diante da polêmica, o superintendente regional emite uma opinião surpreendentemente otimista em relação à eventual intervenção, descartando completamente o surgimento de “uma nova Copacabana” na Cidade Baixa.
Questionado a respeito de atitudes recentes do governo municipal, como o projeto embargado de edificação de construções de alvenaria nas praias e medidas controversas, em especial o novo plano diretor urbano, o superintendente do Iphan argumenta que houve uma “mudança de conceito” na prefeitura de João Henrique.
Amorim revela que existe um contato próximo entre o Iphan e a prefeitura de Salvador desde final do ano passado, com alto grau de entendimento entre as partes. Revela também saber apenas informalmente das intenções da prefeitura para a área, ainda que o secretário de Desenvolvimento Urbano da Cidade, Antonio Abreu, tenha dito à imprensa que, na ausência de capacidade institucional, a prefeitura recorre ao órgão federal para refletir sobre o seu patrimônio histórico.
Mesmo com uma visão mais otimista da intervenção pública na grande faixa de orla da cidade, o superintendente do Iphan também alerta que o órgão está preparado e tem meios para evitar danos ao patrimônio histórico da cidade. “Nós vamos exercer plenamente as nossas atribuições. O Iphan vai se manifestar caso exista algo com que não concordemos”, enfatiza.
Confira a íntegra da entrevista.
Qual a sua opinião sobre o decreto de utilidade pública, para fins de desapropriação, de uma área de 324 mil metros quadrados na orla da Cidade Baixa, em Salvador, assinado pelo prefeito João Henrique (PMDB)? O Iphan foi comunicado ou consultado a respeito?
Isso é um ato unilateral. O prefeito não precisa comunicar a nenhuma outra autoridade que vai decretar a utilidade pública de imóveis. Além disso, o decreto só inclui bens privados. Não há nenhum bem tombado envolvido. Acho que na verdade existe uma disputa política por trás dessa discussão. É ato totalmente cabível, dentro das atribuições da prefeitura.
Então não houve mesmo nenhum tipo de comunicação prévia ao Iphan?
Não houve nenhum aviso formal. O secretário, por cortesia, me informou sobre o decreto. Existe uma mesa multilateral de negociações, o ETELF (Escritório Técnico de Licenciamento e Fiscalização), que reúne prefeitura (Secretaria de Desenvolvimento urbano), IPAC [instituto de estadual de patrimônio] e Iphan. Nós nos encontramos regularmente e temos tomado frequentemente posições acordadas, coordenadamente.
Vocês trabalham em conjunto?
A imprensa não noticia ações importantes feitas pelo Iphan em conjunto com a prefeitura e o Estado. Veja a Ladeira da Barra. Lá seria construído um prédio que tinha umas 80, 100 piscinas. Nesse caso, o prefeito foi convencido e tomou uma atitude impedindo também a construção. Nós realizamos ações diferentes, que confluíram.
Também houve o parecer vinculado que declarou as praias áreas não edificáveis. Como ocupar a faixa de areia se em Salvador ela não é nem tão extensa quanto no Rio, por exemplo? As pessoas vão às praias, e não às barracas de praia. Em Fortaleza, todas as barracas foram retiradas recentemente.
Mas você não acha que isso é inconsistente, logo que foi a própria prefeitura, na primeira gestão, que levou a cabo o projeto das barracas de praia de alvenaria, deixando esse caos nas praias da cidade? Isso sem falar no PDDU [Plano Diretor Urbano]…
Acho que houve uma mudança de conceito na prefeitura. Agora tem um bom jurista, Edvaldo Britto; um secretário de desenvolvimento urbano aberto ao diálogo… Acredito que (pelo menos desde que vim para o Iphan, em novembro de 2008) certas coisas foram revistas.
Acho que houve uma mudança de conceito na prefeitura. Agora tem um bom jurista, Edvaldo Britto; um secretário de desenvolvimento urbano aberto ao diálogo… Acredito que (pelo menos desde que vim para o Iphan, em novembro de 2008) certas coisas foram revistas.
Voltando à Cidade Baixa e à desapropriação, o Iphan já teve acesso, mesmo que informalmente, a algum projeto da prefeitura para a área?
Nem sei se já existe um projeto para a área. Nunca vi. Como também nunca vi o projeto da nova Fonte Nova… [principal estádio de Salvador, que pertence ao governo do Estado e será reformado para a copa do mundo].
Nem sei se já existe um projeto para a área. Nunca vi. Como também nunca vi o projeto da nova Fonte Nova… [principal estádio de Salvador, que pertence ao governo do Estado e será reformado para a copa do mundo].
Mas algum algum conhecimento sobre os planos você tem, não?
Já conversamos sobre isso, mas apenas informalmente. O secretário me disse que a prefeitura pretende fazer uso público da área. Dar visibilidade e construir um acesso à praia, que – pelo que eles dizem – tem boas condições de balneabilidade.
Não examinei propriamente o decreto, mas o prefeito não deverá fazer nenhuma intervenção que prejudique a visão dos bens tombados na região (nessa área, há, por exemplo, um conjunto espetacular, que é o conjunto do Monte Serrat).
A área não poderá sofrer qualquer intervenção sem consultar o Iphan. E nós vamos exercer plenamente as nossas atribuições. O Iphan vai se manifestar caso exista algo com que não concordemos.
Então, o senhor descarta a construção de prédios elevados naquela área? Descarta uma nova Copacabana ali?
Eu descarto completamente uma nova Copacabana na Cidade Baixa. Até pela vizinhança dos bens tombados, isso seria impossível.
O que existe, o que vem acontecendo é um processo de substituição. Todo mundo sabe que a parte mais bonita de Salvador é o sua orla interna. Então, as quadras da praia devem ter a sua ocupação racionalizada.
Mas você não acha complicado fazer isso tudo sem um debate público?
Toda discussão que diz respeito à cidade deve ser legitimada em fóruns públicos. É preciso que haja espaço para o diálogo – audiências públicas ou outro formato.
Mas acho que os gestores devem ter preservada a sua capacidade de decidir. Eles são e vão ser, inclusive, responsabilizados judicialmente por essas decisões.
Ainda não existe essa legislação soviete no Brasil, que o gestor tem que fazer o que o povo decidir. Temos um das melhores democracias do mundo. E uma estrutura representativa bastante atuante. Nenhuma comunidade é dona de um pedaço da cidade. A cidade pertence a toda a sociedade. A cidade não é uma coleção de gavetinhas. Temos que nos acostumar com isso
.
Mas e a relação identidade da população com o local em que vive?
Especificamente o caso da Península de Itapagipe é uma das regiões da cidade em que a população tem mais relação de pertencimento, mais identidade com o lugar em que vive, mais relação com a sua territorialidade. Isso demanda sensibilidade, de uma atenção especial.
Isso me lembra que a área em questão tem também um significado especial para a história e a cultura da cidade. Toda a comunicação com o seu entorno, que era feita por ali.
Sim, claro. Até hoje, Salvador não consegue dialogar com a sua região metropolitana. É uma das capitais que menos se comunicam com o seu entorno. Inclusive com a região metropolitana cultural: Itaparica, Santo Amaro, Cachoeira, todo o Recôncavo. Salvador está perdendo a relação com a cultura metropolitana, veja o caso dos saveiros.
Talvez essa [o debate sobre a reurbanização da Cidade Baixa] seja uma oportunidade para a classe média possa de novo dialogar com a cultura metropolitana, dialogar com as suas raízes.
Entrevista concedida a Terra Magazine