Nas calçadas, nas ruas, nas praças, há Fortalezas que encaram o pavor coletivo da violência. São pessoas que não fecham os olhos para algumas realidades, mas sabem que abandonar a cidade para viver o medo não garantirá um futuro diferente.

 


Pode ser que alguém, de trás de um vidro fumê ou de um portão trancado, já os tenha chamado de loucos. Ou ao menos tenha se surpreendido com a existência deles: os cidadãos que vivem Fortaleza ao ar livre. São seres libertos das amarras que a violência nos impõe; pessoas que conhecem as Fortalezas recheadas de um pavor que escorre por outdoors e redes sociais, mas preferem acreditar (e viver) as Fortalezas da vizinhança, da convivência, da cidadania, da vida comunitária.

Quando chegam à calçada, diariamente, parecem conseguir apaziguar a cidade – ou, pelo menos, a si. “Aqui é um trechinho que é só família, que é calmo. Não tenho medo. Este trecho aqui é nosso.” A definição do aposentado Antônio Juvêncio de Souza, de 82 anos, é sobre uma via cercada de conflitos no Conjunto Palmeiras: a rua Avaré, onde ele e a família vivem há 35 anos.“Passo das 11 horas (da noite) aqui e não vejo nada”, garante. Já o vizinho da frente, o também aposentado Antônio Filgueiras, 70, não é tão destemido. Fica tenso por saber que vive em um local em constante conflito. Mas não deixou que os tiros ouvidos corriqueiramente o fizessem abandonar a calçada-de-fim-da-tarde. “A gente fica aqui com um olho no gato e outro no peixe. Mas, graças a meu bom Deus, aqui é a rua melhor que tem. Neste pedacinho, parece que Deus passou a mão. Aqui é só gente de bem.”

Na calçada

Em algumas ruas de Fortaleza, os limites entre quintais e calçada parecem indefinidos. São pontos onde a cidade é tão coletiva e movimentada quanto tranquila. Na rua 23 de Outubro, na Praia de Iracema, por exemplo, vira e mexe o café com tapioca de Terezinha Tabosa Meire, 67, torna-se confraternização com as vizinhas em pleno passeio, enquanto as crianças correm sem parar pelo asfalto. Por ali, poucas são as que trocam o ar livre pelo computador. Na rua 23 de Outubro, vive-se uma Fortaleza livre. “Todo mundo se conhece, todos foram nascidos e criados juntos, as crianças ficam brincando. O perigo são os carros”, comenta a aposentada Francisca Eridan Carlos de Souza, 63. Assalto, portanto, não é tema de preocupação por ali. Eridan e as vizinhas temem mesmo os veículos que precisam entrar no único edifício da rua enquanto as crianças querem tomar o asfalto de brincadeiras.

Já no José Bonifácio, a aposentada Marlice Menezes, 66, usa a calçada como espanta-calor. “Não gosto de ficar dentro de casa. Aqui é fresquinho”, sorri. E não pense que por ali, na rua Conselheiro Tristão, não há assaltos: “Já teve uns roubos de uns celularzinhos”, conta Marlice. Mas nada a fez deixar de viver a cidade na calçada. “Fico até meia-noite, reúno a família toda e ficamos comendo dindin”, diverte-se.

“Com gente aqui a gente sente uma segurançazinha. O receio vem quando vai esvaziando”, comenta Antônio José Batista, 52, morador do Joaquim Távora. Até perto das 21 horas, ele costuma jogar futebol com o sobrinho Carlos Eduardo, de 5 anos, na praça da igreja da Piedade, no mesmo bairro.

Antônio José afirma que confia na tranquilidade ao ver o local cheio de conhecidos. O vazio é o que dá medo. “Uma família vê que a outra está aqui e vem”, explica. No local, ele diz, assaltos já foram vistos. Mas, como “tem lugar muito pior”, conforme crê Antônio, a praça ainda é ponto de encontro. “Temos que preservar isso.”

 ENTENDA A NOTÍCIA

A sensação de insegurança se propaga em Fortaleza, espantando ainda mais as pessoas da rua. Assim, num círculo vicioso, a cidade perde e nada muda. Apenas o reforço do medo prejudicando a convivência.

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2013/11/16/noticiasjornalcotidiano,3163954/a-fortaleza-que-vai-a-pe-e-encara-o-medo.shtml