A arquiteta Emília Sousa foi até a comunidade Nova Canudos, no Bom Jardim, para ensinar noções de arquitetura (FOTO: Emília Sousa)
 
Quem anda por Fortaleza deve ter presenciado o contraste urbano entre os bairros da cidade. Em áreas mais centrais, as casas ou prédios residências têm uma arquitetura diferenciada e planejada, conforme o espaço onde foi construído. As calçadas são regulares, há sinalização entre outros elementos urbanísticos.

Ao ir em direção à periferia, a paisagem é outra. As famílias moram em cômodos sem ventilação adequada por falta de janelas. Em alguns casos, as calçadas tornam-se parte da sala. Há outros que os moradores não têm nem se quer um banheiro.

Para tentar melhorar esse cenário, a arquiteta Emília Sousa ofereceu assessoria técnica para a comunidade de Nova Canudos de Zona Especial de Interesse Social (Zeis) do Bom Jardim. A ideia é que os moradores do assentamento precários pudessem ter noções básicas de arquitetura ao reformar ou construir suas casas, assistência que já é garantida pela lei de nº L11888/2008.

Segundo a legislação, as famílias de baixa renda com até três salários mínimos têm o direito à assistência técnica pública e gratuita para a sua moradia. A lei é uma forma de assegurar o direito à moradia.

De acordo com Emília, o projeto “Cidade pelas pessoas: uma experiência de assessoria e participação na ZEIS do Bom Jardim”, que resultou em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), trata-se de uma resposta a lei federal que ainda não é implementada pelas prefeituras do País.

O trabalho iniciou no mês de fevereiro do ano passado e durou por oito meses. A princípio, a arquiteta buscou conhecer a região e averiguar os problemas de habitação existentes.
 
Cinco mulheres participaram da oficina onde aprenderam técnicas para melhorar suas condições habitacionais (FOTO: Emília Sousa)

“As casas possuem fachadas muito estreitas e são compridas. Isso dificulta a ventilação. Não há janelas e pouca iluminação. Não há saneamento básico, as ruas não têm pavimentação. A comunidade surgiu por um processo de autoconstrução sem o acompanhamento de profissionais”, declarou.

Além de problemas de edificação, há algumas famílias que não têm sequer banheiro em suas residências. De acordo com o levantamento feito pelos moradores de Nova Canudos em 2015, das 900 famílias, 70 não possuem. Para seu Dedé, a situação piora em épocas de chuvas.

“A moradia é péssima. Não há saneamento básico. Em épocas de chuvas, ficam todas dentro de água. Tem canal de esgoto a céu aberto. A gente tem que andar de bermuda e as pessoas andam com os sapatos nas mãos quando vão pegar o ônibus na pista”, relata a situação.

Com o intuito de melhorar a habitação dos moradores, Emília formou um grupo com cinco mulheres e duas lideranças da comunidade. As participantes tiveram a oportunidade de conhecer as técnicas de desenho e de medição de edificações, leitura da trena métrica entre outras noções de arquitetura. Além disso, discutiram sobre as possíveis melhorias habitacionais e conheceram a lei de assistência técnica.

De acordo com Emília, a oficina tinha como objetivo de dar autonomia para as mulheres em suas decisões a respeito do espaço em que vivem. “Eu queria que elas soubessem da importância das janelas nos banheiros e nos quartos, por exemplo. Foi um processo muito interessante e diálogo com a comunidade”, ressalta.

Segundo a arquiteta, além de oferecer assistência técnicas para famílias de baixa renda, o projeto mostra o papel social da arquitetura. “A comunidade já esta elaborando um planejamento popular da região. Eu acho que essa é a importância social da arquitetura, pois esse serviço ainda é muito elitizado”, ressalta.

Reconhecimento

No último mês de dezembro, o projeto “Cidade pelas pessoas: uma experiência de assessoria e participação na Zeis do Bom Jardim” foi eleito um dos melhores trabalhos de conclusão de curso de Arquitetura e Urbanismo pelo ArchDaily. O site, referência na área, recebeu 240 projetos do Brasil e de Portugal na qual selecionou os 14 melhores. O trabalho de Emília esteve um dos selecionados.

“O ArchDaily é um dos sites de arquitetura mais visitados do mundo. É sempre muito bom ter o seu trabalho reconhecido”, comenta. O projeto teve como orientadora a professora Clarisse Figueiredo da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O serviço de assistência técnica à moradia faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Emília Sousa (FOTO: Emília Sousa)
 
Lei de assistência à moradia

Segundo a lei federal, as famílias de baixa renda com até três salários mínimos têm o direito ao acesso à assistência técnica de moradia gratuitamente para fins de construção de habitação de interesse social. O serviço consiste no acompanhamento e da execução das obras por meio de profissionais das áreas de arquitetura e urbanismo e engenharia.

A legislação especifica que a execução da assistência deve ser feita com o apoio financeiro da União aos governos de Estado, ao Distrito Federal e aos municípios.

Por meio desse direito, as residências serão construídas sem ocupar áreas de risco e de interesse ambiental e trará qualidade de vida para as famílias mais pobres.

O professor do laboratório de habitação do curso da arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Renato Pequeno, explica que a medida é uma forma de garantir qualidade de vida para a população de baixa renda.

“Uma família que constrói sem um projeto terá um desperdício de material, uma casa com problemas de instalação hidráulica, sem uma fossa eficiente e sem uma ventilação adequada. Esses problemas vão interferir na saúde dos moradores”, ressalta Renato. Além disso, assistência técnica ofertada por meio da lei federal torna o serviço de arquitetura acessível para todas as classes sociais.

O serviço de assistência técnica à moradia é assegurada pela lei federal 11.888/2018 (FOTO: Emília Sousa)
 
“Nunca se fazia esse tipo de assessoria o que tornou a função cada vez mais elitizada. A gente (arquitetos) trabalhava para grandes investimentos e escritórios de arquitetura. Pouco se fazia (antes da lei) serviços de interesse popular. Entretanto, a lei ainda encontra dificuldades de ser implementadas”, destaca.

No ano passado, 200 residências foram atendidas pela Lei de Assistência Técnica, por meio do programa de Melhorias Habitacionais. O número corresponde a 85% a mais do que o de 2016, segundo a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor).

A pasta prevê para este ano a realização de 2.685 atendimentos distribuídos em 468 domicílios no Campo Estrela (Sítio São Cristóvão) e 2.217 atendimentos no Vila do Mar (Barra do Ceará).

“O programa atua por meio da construção e reparos de banheiros e outras estruturas básicas, além de promover o acesso e ampliar a rede de saneamento básico em áreas de risco, carentes ou ocupações consolidadas no município de Fortaleza”, informou.

A secretaria informou que a lei federal é executada por meio do programa de Melhorias Habitacionais da Prefeitura de Fortaleza e por meio de entidades de movimentos sociais, habilitadas pelo Ministério das Cidades.
 
FONTE: TRIBUNA DO CEARÁ