Um artigo do professor e arquiteto Fernando Luiz Lara*


Eu vi a bolha. Na verdade tirei férias dentro dela. A bolha imobiliária, que varreu a península Ibérica e agora se forma aqui do outro lado do Atlântico. E por ser prima da bolha europeia, quanto mais perto do velho continente pior.

Antes que vocês pensem que eu estou delirando, me explico. Passei uma semana em Fortaleza, ou melhor, perto de Fortaleza, num lugar chamado Porto das Dunas. Areias lindas, céu azul, brisa agradável. Mas uma típica bolha.

Porto das Dunas fica a 25 km do centro de Fortaleza. Ali, ao longo de uma praia linda com 5km de extensão, construiu-se uma série de empreendimentos que juntos perfazem a perfeita bolha imobiliária. Dezenas de condomínios fechados e um parque aquático. Tudo exclusivo, absolutamente exclusivo.

A começar pela distância e pela ausência de transporte público. Todos que trabalham na área fazem uso de vans (existe uma cooperativa de transporte ‘alternativo’) ou ônibus alugados pelas empresas. Os visitantes usam seus carros importados, que dirigem como malucos nas estradinhas apertadas ou na praia mesmo, sem culpa ou traço de responsabilidade. Um taxi pra Fortaleza sai por R$ 70,00. Entendeu a exclusividade?

Mas isso não basta em tempos de carros populares e motos financiadas a R$50,00 por mês. É preciso subir muros, e, em cima deles, cercas, e, junto as cercas, câmeras. Andar é simplesmente impossível em Porto das Dunas. As ruas têm muros dos dois lados e nenhuma calçada. A cada 500 ou 600 metros uma portaria de condomínio, guaritas, e mais portões.

Antes fosse o péssimo urbanismo excludente, a matemática financeira também não parece estar funcionando. A grande maioria destes condomínios foi financiada por capitais portugueses e espanhóis que estavam rolando fácil demais até 2009 e, que, encontraram no Nordeste, a 5 horas de vão de Lisboa, terras baratas, lei do uso do solo relaxadas e sol forte. Ingredientes básicos de uma bolha.

Dá pra imaginar o resultado, não? Em pleno período de férias de julho a ocupação de onde eu estava ficou perto de uns 15%. No final de semana, umas poucas famílias cearenses fizeram o índice subir para uns 20%, no máximo. O resto é capacidade ociosa, sobre-investimento que cobrará seu preço no futuro. A propósito, quem tem pertinho da cidade uma Praia do Futuro ainda em construção e já ruína pode imaginar o que será do Porto das Dunas daqui a pouco. Isso pra não falar das dunas propriamente ditas. Os condomínios se acotovelam para ter mais acesso à praia e invariavelmente aterram as saídas naturais das águas. Quando chove, a água que cai entre a praia e a falésia não tem pra onde ir, transformando as ruas de terra em canais venezianos.

Em resumo, muita coisa boa está sendo construída neste Brasil rico que se desenha no século XXI. Mas uma parte significativa do capital imobiliário insiste em um urbanismo excludente e individualista. Bolhas, no pior sentido da cidadania.

Eu vi, e fiquei bastante assustado.

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* Fernando Luiz Lara – é professor da University of Texas at Austin School of Architecture onde dirige o grupo LAMA (Latin American Modern Architecture) de pesquisa. Arquiteto pela Universidade Federal de Minas Gerais (1993) e PhD pela Universidade de Michigan (2001), Lara teve sua tese de doutorado sobre a disseminação do modernismo no Brasil publicada em 2008: The Rise of Popular Modernist Architecture in Brazil, Gainesville: UPF. Com mais de uma centena de artigos publicados, Prof Lara discute as arquiteturas brasileiras moderna e contemporânea e seus significados no contexto socio-econômico-ambiental. Fundador do Studio Toró, uma ONG focada no desafio de construir debaixo de milhares de milímetros de chuva, Lara é também consultor do escritório Horizontes que trabalha com a arquitetura pública em todas as suas escalas. Seus trabalhos mais recentes sobre as favelas brasileiras investiga a disseminação do conhecimento arquitetônico até os mais humildes extratos