Neste domingo foi comemorado do Dia Mundial Sem Carro. Trata-se de um manifesto sobre os problemas causados pelo uso intenso de automóveis como forma de deslocamento.
REGINA COSTA E SILVA
Arquiteta e gerente da Célula de Análise de Projetos da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma)
As transformações mundiais ocorridas no século XX redefiniram os rumos da cidade neste novo século. A consolidação da urbanização, a revolução tecnológica que impulsionou a globalização, a reestruturação econômica e a informacionalização modificaram conceitos de tempo e espaço, aproximando os povos, e provocaram transformações políticas tornando as cidades contemporâneas protagonistas dos acontecimentos mundiais. Nas cidades brasileiras o ir e vir, os deslocamentos internos, além de toda esta evolução, foram comprometidos muitas vezes pelo planejamento tardio ou pelo descompasso entre o que se planeja e o que se executa. Muito ainda pode ser feito para a garantia da mobilidade urbana como: um melhor aproveitamento do uso e da ocupação do solo urbano, garantindo compartilhamento das atividades urbanas como morar, trabalhar, recrear; a melhoria no transporte público; a oferta de diversas tipologias de modais com infraestrutura adequada; bem como a reconstituição do espaço público.
LUCAS LANDIM
Integrante da Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza (Ciclovida)
Temos que olhar a mobilidade urbana como um nicho complexo onde cada ator constrói e é construído pela interação. Com mais da metade da população mundial vivendo nos centros urbanos, não podemos mais pautar as políticas públicas para o carro. Temos que compartilhar as ruas com pedestres, ciclistas, patinadores, skatistas, deficientes e motoristas. Transformar os modais que hoje vemos como alternativos em prioritários. Precisamos mudar este trânsito que não prioriza a mobilidade e adotar corredores exclusivos de ônibus, criar ciclovias e ciclofaixas bem estruturadas, arborizadas e interligadas, calçadas convidativas e integração entre os diversos modais. Essas ações estimulariam as pessoas a deixarem o carro em casa. Mais pessoas na rua representa mais segurança e isso permite viagens mais tranquilas até seus destinos, sem se preocuparem com estacionamentos, engarrafamentos e assaltos.
GUILHERME SAMPAIO
Vereador (PT-CE)
Em primeiro lugar, redefinir a política de mobilidade, envolvendo transporte, trânsito e infra-estrutura, de forma a criar as condições necessárias para viabilizar alternativas em diversos modais. A concepção esgotada que prioriza o automóvel, e, especialmente, o individual e privado em detrimento do coletivo e público, é incompatível com a qualidade de vida nas cidades. Mas ninguém vai usar trem, bicicleta, ônibus ou até caminhar trechos curtos se isso não for seguro, econômico e eficaz, frente a alternativa do carro ou da moto. A construção e integração de ciclovias e estacionamentos para bicicletas, a urbanização de passeios e bulevares pensada de forma amistosa, prazerosa e segura ao pedestre, o planejamento das rotas de grande fluxo de forma a integrar os diversos modais com o transporte coletivo, a restrição de estacionamento ou trânsito em micro áreas saturadas, entre outras, são medidas adotadas com sucesso mundo afora, e que deveriam compor o investimento público.
Henrique Araújo
Editor-adjunto do Núcleo de Cotidiano do O POVO
Priorizar o transporte coletivo. O espaço da cidade não deve, sem que isso acarrete prejuízos, sujeitar-se às demandas privadas. Nenhuma metrópole é suficientemente grande para atender à lógica enviesada segundo a qual cada membro de uma família possui um carro. Intervenções no tecido urbano valem se facilitam a vida das pessoas que habitam a cidade. Viadutos serão importantes se, respeitando o patrimônio ecológico, tornarem menos traumático o trânsito das pessoas. É preciso que entre definitivamente na ordem do dia a criação de ciclovias e ciclofaixas e de corredores exclusivos para ônibus e vans. No entanto, tudo isso resultará sem efeito se o óbvio não for compreendido. E o óbvio é que o desenho e os desejos de uma cidade não podem amoldar-se aos interesses privados. A mobilidade urbana está condicionada a essa mudança de paradigma.
MARIA ELISABETH P. MOREIRA
Professora do Departamento de Engenharia de Transportes da UFC
O Código de Trânsito Brasileiro(CTB) diz que, “Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão os respectivos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários, estabelecendo os limites circunscricionais de suas atuações”. O que se observa em Fortaleza e em muitas cidades é que estes órgãos e entidades ainda não estão estruturados para responderem por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas e projetos que garantam o exercício do direito do trânsito seguro. Para reverter este cenário, o exemplo do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) deve ser seguido por nossos gestores. O IPPUC foi que “acatou a recomendação da Comissão Julgadora do Concurso Público realizado em 1964, para que um grupo de técnicos da Prefeitura acompanhasse todas as etapas de elaboração do Plano Preliminar de Urbanismo para Curitiba”. Só assim podemos ter melhorias na área da mobilidade, elaboradas por profissionais concursados e especializados na área.
Samaisa dos Anjos
Repórter do Núcleo de Cotidiano do O POVO
Mudar a situação da mobilidade urbana pede coragem. Coragem de o poder público mudar a forma como a cidade é planejada, enfrentar os vícios e problemas do transporte. E dos cidadãos, em assumir seu papel nesse sistema e parar de esperar tudo do poder público. Um transporte público que atenda à demanda com conforto, interligado aos outros modais, com informação sobre as linhas, corredores exclusivos para ônibus, incentivo para um sistema de caronas, vontade de sair da zona de costume. Deixar o carro em casa não é fácil, mas ficar preso nos engarrafamentos também não é. Após um ano usando carro particular para ir e voltar do trabalho, decidi usá-lo somente nos fins de semana. Enfrento espera, ônibus e terminal cheios. Cada um pode achar sua maneira de contribuir com o espaço coletivo. E o Poder Público tem obrigação de entender o óbvio: a prioridade é do coletivo e não dos interesses particulares.