A página CAU para todos, do Rio de Janeiro, postou ontem em suas redes sociais um texto onde elucida essa situação gerada pelos ataques que o Dep. Ricardo Izar do PP/SP, tem promovido à profissão de arquiteto e urbanista. Segue abaixo o texto na íntegra. Para aqueles que desejarem compartilhá-lo em suas redes sociais, clique AQUI e seja redirecionado ao link original.
Compartilhem com os colegas do seu círculo de amizades, se você é professor, compartilhe nos grupos e contatos dos alunos, e vamos todos juntos em defesa da Arquitetura e Urbanismo.
Texto:
“Como a maioria da comunidade arquitetônica e urbanística já sabe, há uma hipérbole na campanha devastadora do deputado federal Ricardo Izar contra a classe profissional que levou meio século provando à sociedade sua real importância não apenas na construção civil, mas principalmente no desenvolvimento das cidades, na preservação do meio-ambiente e na qualidade de vida e interação social do elemento humano. Atribuo (apenas) ½ século devido ao fato que a primeira faculdade de arquitetura, desvinculada do curso de Belas Artes, no Brasil, foi criada em 1961, na antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ, e apenas em 31/12/2010, após muita luta, conseguimos criar o nosso Conselho Profissional próprio, uniprofissional. Mas se quisermos ir além, entre o Decreto Federal 23.569/1933 que regulamentou a nossa profissão, até a criação da Resolução 51/2013, passaram-se 80 (oitenta) anos de evolução e estudos até se chegar quais as atividades que efetivamente dependem do estudo da arquitetura e urbanismo para serem plenamente desenvolvidas.
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Aparentemente, o deputado autor do PDC e da PL considerou que o texto da Resolução 51/2013-CAU/BR “exorbita o poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa” e, por isso, pretende sustá-la. O autor não cogitou a possibilidade de alteração/flexibilização no texto da Resolução (que atribui uma série de atividades exclusivas dos arquitetos e urbanistas), ele optou por tentar cassá-la pelo poder que o seu cargo lhe confere. Justifica-se, o autor, que a Lei 12.378/2010 que criou o CAU/BR foi equivocada em seu § 1º do Art. 3º, dando-lhe a prerrogativa de definir áreas de atuação privativa dos arquitetos e urbanistas, e áreas de atuação compartilhadas. Assim sendo, da mesma forma autoritária e invasiva, o autor pretende, não só cassar a resolução criada pelo CAU, bem como cassar o direito do CAU de estabelecer quais seriam as atribuições privativas dos arquitetos e urbanistas. Pelos planos do autor, arquitetura e urbanismo passariam a ser matérias de domínio público, que independeriam de alguma formação específica para sua execução.
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O autor cita o inciso XIII do Art. 5º da Constituição Federal (CF) que estabelece: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as QUALIFICAÇÕES PROFISSIONAIS QUE A LEI ESTABELECER” (grifo meu), reforçando que restrições para o livre exercício profissional só pode ocorrer por força de Lei. Pois bem, o CAU foi criado pela Lei 12.378/2010, e é desta Lei que emana o poder do Conselho de restringir outros profissionais de exercer arquitetura. Vejam que o referido inciso deixa claro que é livre o exercício de qualquer trabalho, DESDE QUE ATENDIDAS AS QUALIFICAÇÕES PROFISSIONAIS. Assim sendo, o CAU/BR, ao criar a Resolução 51, agiu em total consonância com a Lei de sua criação e com a Carta Magna.
Observem que a constituição ao especificar “qualificações profissionais que a lei estabelecer” deve referir-se à graduação ou formação em cursos profissionais e o próprio registro profissional. Aquele que é necessário para o exercício da profissão com amparo nos conhecimentos técnicos e científicos regularmente apreendidos; este é indispensável por força do interesse público compreendido na fiscalização do exercício profissional integrado no registro. Lembrando, ainda que um Conselho Profissional tem como sua atribuição principal regular, orientar e fiscalizar o exercício da profissão a fim de DEFENDER A SOCIEDADE dos prejuízos que a ela acabam sendo imputados pelo mau profissional.
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Voltando à Resolução 51/2013, o autor até reconhece que, de fato, há de se resguardar como “privativas” as atividades exercidas pelos arquitetos, limitadas àquelas que resguardem a sociedade de possíveis riscos, mas que atribuir como “privativas” atividades exercidas também por outros trabalhadores seria uma “reserva de mercado”. Neste ponto, surge a necessidade de se esclarecer a que tipo de “riscos” o autor se refere, e a que tipo de “riscos à sociedade” a Resolução 51 se refere. Provavelmente, para o autor, “riscos à sociedade” estejam restritos aos riscos de incêndio, de explosão, de desabamento, ou outras tragédias que acabam tendo apelo nas mídias. Entretanto, os “riscos à sociedade” de um projeto de arquitetura elaborado por profissional não qualificado a que se refere a Resolução 51, poderiam ser, além das impactantes e catastróficas, das seguintes naturezas:
a. Urbana
O arquiteto e urbanista é o único profissional que estuda a relação do homem com o espaço onde ele vive e desempenha todas as suas funções. Prescindir do arquiteto no desenho urbano periga sofrermos desde riscos de segurança pública, até o de déficit habitacional.
b. Funcional
A forma, a plasticidade do projeto de arquitetura que atenda apenas ao princípio estético, que não conjugue todas as outras questões como legalidade, tamanho, circulação, conforto, acesso, etc., arrisca-se a não atender, ou atender com prejuízos, à função para a qual se destina a edificação.
c. Legal
O projeto de arquitetura deve atender ao código de obras, posturas municipais, normas e demais regulamentos de acordo com a natureza do projeto, sob risco de não ser legalizável, transformar-se em edificação marginal ou obter ordem de demolição.
d. Conforto ambiental
O arquiteto devidamente formado, atende aos princípios do conforto ambiental em seus projetos, retirando do partido arquitetônico condições para se obter o máximo de conforto da própria natureza.
e. Sustentabilidade
O profissional de arquitetura e urbanismo é qualificado para apresentar em seus projetos condições de sustentabilidade que é um dos princípios universais que promove a sobrevida do homem no planeta.
f. Acessibilidade
A aplicação da lei de acessibilidade e as normas correspondentes devem ser feitas com critérios que permitam o acolhimento dos deficientes, preferencialmente seguindo princípios do Desenho Universal, que fazem parte dos estudos curriculares do arquiteto e urbanista.
g. Economicidade
Um projeto de arquitetura visa atender princípios de economia tanto na escolha de material, na forma de construção, no reaproveitamento, e na durabilidade dos mesmos. Estudos comprovam que “economizar” em não contratar um arquiteto para elaboração de um projeto ou acompanhamento de obra é sinônimo de despesa maior, posteriormente, portanto, prejuízo.
h. Ergonomia
A aplicação dos princípios da ergonomia nos projetos de arquitetura, assegura o pleno funcionamento humano no local de suas atividades; prescindir desse conhecimento pode trazer prejuízos físicos e prejuízo laboral.
i. Meio ambiente
O arquiteto e urbanista é um estudioso do meio ambiente que é a matéria-prima de seu trabalho. É, portanto, o profissional habilitado, preparado a elaborar projetos de arquitetura e urbanismo que causem o mínimo impacto possível na natureza.
j. Circulação
A mobilidade (urbana) tem sido tema de diversos seminários, colóquios, palestras, encontros dos arquitetos e urbanistas com a sociedade. A mobilidade alcança conceitos que vão da circulação entre apetrechos domésticos, mobiliários urbanos nos logradouros, acessibilidade de deficientes, circulação nas ruas, bairros e metrópoles, a pé, de carro ou de transporte público, todos devidamente conjugados a permitir a máxima eficiência, conforto e segurança.
k. Estética
Conceito filosófico subjetivo que é extraído a partir da prática, de estudos históricos e valores humanos que permeiam todos os projetos de arquitetura de profissionais qualificados.
E outras.
Cabe esclarecer que, certamente, vários profissionais podem deter conhecimento acerca de uma ou outra das características listadas acima e, eventualmente, poderão apresentar um resultado positivo ao executar um projeto de arquitetura de baixo grau de complexidade, sem a orientação do arquiteto. Mas a arte de conjugar todas as características listadas acima, além dos conhecimentos acerca de topografia, estrutura, instalações elétricas, de gás, água, esgoto, ar condicionado, telefonia, rede, dentre outras especiais, dentro de um mesmo projeto de arquitetura, a fim de que os “riscos à sociedade”, mencionados no escopo da Resolução 51, não ocorram, é, em essência, a função do arquiteto e urbanista.
Isso tudo acrescentado do fato que o arquiteto e urbanista, em projetos de médio a grande porte, jamais trabalham sozinhos. Arquitetos e urbanistas são uns dos trabalhadores que mais coordenam equipes multidisciplinares de profissionais, quando por ocasião de elaboração de um projeto um pouco mais complexo, oferecendo regularmente trabalho a outras categorias.
O entendimento rudimentar do autor sobre o que venha a ser exatamente um projeto de arquitetura, e a dificuldade de distingui-lo de uma planta de arquitetura, de um desenho de arquitetura, de uma imagem 3D de arquitetura, ou de qualquer outro tipo de “projeto”, impede que o mesmo compreenda mais sobre as “atividades privativas” da profissão, levando-o a achar que pretende-se prescindir da participação de engenheiros, agrônomos, biólogos, etc., quando, na verdade, o arquiteto trabalha paralelamente a estes profissionais.
O autor exalta que deve-se “apoiar a inserção de novas modalidades profissionais e novos conhecimentos no mercado”, como se a prática da arquitetura e urbanismo fosse impeditivo disto. A prática da Arquitetura e do Urbanismo não é uma modalidade nova de profissão no mercado. Não é uma atividade banal ou em fase experimental na sua essência. Ao contrário disso, a Arquitetura é uma das profissões reconhecidamente das mais antigas da humanidade, que já desenvolveu ou propiciou o desenvolvimento de tantas técnicas e do uso de tantos materiais que gerou dezenas de modalidades de novas profissões e ainda segue fazendo.
Analogamente ao raciocínio minimizado destes projetos de decreto e de lei, seria o mesmo que, ao se estabelecer que MEDICINA só pode ser praticada por MÉDICOS, estivesse sendo afrontado o exercício dos profissionais de farmácia, enfermagem, química, fisioterapia, psicologia e tantos outros profissionais graduados que trabalham em paralelo à medicina.
O autor apresenta em certo momento, como exemplo, a profissão de “designers de interiores”, como sendo uma profissão “que sempre atuou desde os tempos mais remotos”, e que estaria ameaçada pelas restrições do CAU/BR. Primeiramente, poderia se discutir o que vem a ser, para o autor, “tempos mais remotos” e, de que forma ele entende que as ciências humanas, antes praticadas ao sabor do empirismo, tenham passado a ser orientadas pela égide acadêmica. Na verdade, o pretenso conflito com outros normativos legais que garantem o exercício profissional aludidos pelo autor não se sustentam. Conforme podemos observar na lei 13369/2016, citada pelo autor, que versa sobre a profissão de designer de interiores e ambientes, em seu Art. 2o é feita uma ressalva, que apresenta-se em grifo nosso:
“Art. 2o Designer de interiores e ambientes é o profissional que planeja e projeta espaços internos, visando ao conforto, à estética, à saúde e à segurança dos usuários, RESPEITADAS AS ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS de outras profissões regulamentadas em lei. ”
Ficando claro, portanto, que, aos designers de interior (não confundir com a graduação de desenhistas industriais) é dado o direito de projetar interiores sim, mas não de fazer projetos de ARQUITETURA, já que esta é uma profissão regulamentada em Lei.
O autor cita a Classificação Brasileira de Ocupação de diversas profissões que são absolutamente compatíveis com a Arquitetura e Urbanismo e se complementam. Em todos os casos citados pelo autor, NENHUM Conselho descreveu PROJETO DE ARQUITETURA E URBANISMO como sendo área de atuação de seus profissionais. O que o autor precisa conhecer, na verdade, é que a palavra “projeto” tem inúmeros sentidos e é utilizada em várias atividades humanas, não apenas necessariamente em PROJETO DE ARQUITETURA. Várias das atividades relacionadas na Resolução 51 podem ser estudadas e elaboradas por outros profissionais competentes, entretanto soa como justo e coerente que a parte tocante à arquitetura e urbanismo, deva ser coordenada pelo profissional responsável, graduado apropriadamente.
O autor cita o trabalho de inequívoca qualidade do paisagista Burle Marx, lembrando seus projetos memoráveis de paisagismo, sendo que o mesmo não era arquiteto. Sobre Burle Marx, o autor precisaria saber que o famoso paisagista trabalhava sempre em conjunto com arquitetos tais como Affonso Reidy, e mantinha como sócio em seu escritório, por último, o arquiteto, igualmente competente, porém não tão famoso, Haruyoshi Ono.
Além de Burle Marx, o autor perdeu oportunidade de citar nomes tais como Frank Lloyd Wright, Le Corbusier, Mies Van der Rohe, Lota de Macedo, enfim, profissionais que deixaram projetos de arquitetura memoráveis em seus legados, mas não eram arquitetos por formação. É preciso lembrar que estes gênios, profissionais singulares, nasceram ou no início do século passado ou no final do século retrasado. Em 1816, D. João VI criou a Escola Real de Ciências Artes e Ofícios e o ensino de “arquitetura” era apenas uma das especialidades que os estudantes poderiam estudar, de acordo com suas aptidões. Há de se entender que hoje a arquitetura e o urbanismo se veem diante de desafios muito maiores que naquela época, quais sejam combater o descaso em obras públicas com relação aos projetos executivos, bem como problemas urbanos como a falta de integração entre as cidades, a falta de mobilidade urbana de grandes centros e o déficit habitacional. As universidades que possuem o curso de arquitetura chegaram ao formato atual, cheias de cadeiras de várias áreas do conhecimento, sobretudo a área humana, acompanhando não só os avanços tecnológicos em relação às novas técnicas e novos materiais, mas pelo protagonismo dos arquitetos e urbanistas em questões como o bem estar social, desenvolvimento urbano e sustentabilidade.
O autor vem instigando outras categorias profissionais contra o Conselho de Arquitetura e afirma que “algumas associações ingressaram contra a inconstitucionalidade da Lei 12.378/2010, e, consequentemente, contra a Resolução 51/2013”. Mas é importante que se saiba que o CAU/BR já proporcionou reunião conjunta das Comissões de Harmonização e Conciliação de Legislação do CAU/BR – CONFEA, objetivando justamente superar qualquer dúvida existente na Resolução 51/2013 e seus desdobramentos. Ficando claro, portanto, que o CAU/BR não tem interesse algum em cercear outras profissões e sim em se harmonizar com profissionais de outras áreas, devidamente regulamentadas.
O CAU/BR é um órgão dinâmico e aberto a atender às inovações de mercado, aos apelos sociais e de demais profissionais. A Resolução 51/2013, criada logo após a criação deste conselho, certamente tem suas falhas e já está sendo instituído grupo para estudá-la e melhor adequá-la à sociedade, não sendo necessário um instrumento legislativo tão imperativo no sentido de intervir em sua autonomia, que só desestabilizaria sua força institucional.
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Por fim, este Conselho, que regulamenta uma das mais antigas e consagradas profissões do homem, a Arquitetura, e, já na recente era moderna, o Urbanismo, mas que só tem 6 (seis) anos de criação, pleiteia o seu direito de se auto organizar, e de regular a profissão que representa, realizando o seu papel orientador e fiscalizador, que eventualmente penaliza diversos tipos de desvios, transgressões e ilegalidades, e, talvez por isso, esteja sofrendo retaliações (até certo ponto esperadas) por parte daqueles que ainda não entenderam o verdadeiro papel do Arquiteto e Urbanista, que é o de preservar a qualidade do espaço e da vida da humanidade.”
FONTE: CAU PARA TODOS