Tamanho texto explicativo sobre o conceito de Bolha Imobiliária. Para muitos que acham que bolha imobiliária era somente o problema das hipotecas, como o que ocorreu com os Estados Unidos, e que nunca leu sobre a bolha das Tulipas, vale a pena a leitura.

 


 

Bolha imobiliária não tem nada a ver com bancos. Tem a ver com o ato de comprar imóveis com o único propósito de lucrar com a repetição de valorizações observadas em períodos anteriores. A idéia é comprar o imóvel para ter lucro em sua revenda, sem nenhuma intenção (ou sem ter recursos para isso) de manter o ativo para moradia ou aluguel. Com a notícia sobre a valorização se espalhando e muitas pessoas comprando apenas para especular, o imóvel de fato se valoriza.

Após muitos meses o número de imóveis na mão de especuladores é muito superior à demanda do mercado. O estoque é alto mesmo se incluirmos especuladores na demanda. O mercado fica sobre-ofertado e isso significa que o especulador encontrará dificuldades para vender o seu imóvel com a valorização que tinha imaginado. São muitas pessoas querendo vender (pois compraram o imóvel sem ter uso algum para ele) e poucas (em relação aos estoques) querendo comprar.

Essa condição de mercado (especulação e altos estoques) é, por definição, uma bolha de ativos. O quanto tóxica essa bolha será para a economia é determinado pelo nível de alavancagem dos especuladores. São esses especuladores, que não podem pagar pelos objetos de especulação, que causam um grande estrago na economia.

Outro problema causado pelas bolhas, e este independe da saúde dos bancos, é o desaquecimento da economia. Quando a bolha atinge setores inteiros, principalmente setores que geram muitos empregos, o excesso de produção leva a economia do país a um novo patamar. A produção dos objetos de especulação gera muitos empregos e essa renda realimenta outros setores da economia. Os funcionários das construtoras e seus fornecedores diretos e indiretos consomem automóveis, móveis, brinquedos, comida, telefones, outros imóveis, etc. Diversos setores crescem devido ao dinheiro da especulação.

Só que existe um limite de quantos imóveis podemos construir para que nunca sejam ocupados. O que acontece quando o mercado voltar aos níveis normais de produção de imóveis, determinados pelos consumidores que realmente querem morar nas casas e apartamentos? A resposta é simples: desemprego. Se a construção civil diminuir o número de lançamentos em 40%, uma situação que já podemos observar no Brasil, todo aquele consumo derivado da riqueza gerada pela construção de imóveis também diminuirá. Venderemos menos automóveis, menos telefones celulares, menos brinquedos. Isso também está acontecendo com o Brasil nesse exato momento.

O efeito descrito acima NÃO pode ser ignorado. Temos o costume apenas de nos lembrar da euforia causada pelo consumo desenfreado e esquecer que as consequencias do desbalanço econômico não podem ser evitadas.

Mas a polêmica atual diz respeito ao papel dos bancos em uma bolha. Vamos falar sobre alavancagem então, uma vez que o tópico “regulamentação de bancos” está cada dia mais associado ao assunto. Em cada país a alavancagem foi obtida de uma forma diferente. A seguir os exemplos de Estados Unidos e Brasil.

Estados Unidos

Nos EUA a alavancagem era atingida através de hipotecas. O objeto de especulação eram imóveis prontos. Lá não é possível financiar um imóvel que ainda não está pronto. Como consequencia, o setor hipotecário foi o mais afetado pela crise.

Muitas construtoras saíram ilesas da bolha e lucraram muito com ela. As construtoras dos EUA são muito sólidas e em geral iniciam obras apenas após garantirem (através de fundos ou empréstimos) todo o capital necessário para concluir a obra. Diversas regulamentações do mercado americano impedem as construtoras de iniciar obras sem o levantamento necessário de capital, uma vez que tal atitude bateria de frente com as políticas de gestão de riscos obrigatórias para todas as empresas de capital aberto.

É claro que sofreram muito com a diminuição da demanda, que antes estava artificialmente inflada pela especulação. Mas acumularam muitos lucros construindo coisas que nunca seriam utilizadas pelos seus clientes.

O resultado disso tudo foi: recessão e quebra de bancos.

Brasil

No Brasil a alavancagem foi obtida através de uma aberração financeira chamada “comprar financiado na planta”. Esse recurso permite que as construtoras atinjam um público com menor poder aquisitivo e com maior comportamento de risco em relação à compra de imóveis. Ou seja: aumenta o potencial de vendas do empreendimento. O imóvel é “comprado” (para quem quer especular, o contrato é suficiente, considerado uma compra) com o simples depósito de 20% ou menos de seu preço total.

Trata-se de um instrumento financeiro pouco regulamentado no Brasil, pois sua existência é baseada em um simples contrato de intenção de compra. Não é, oficialmente, um instrumento de crédito ou um título de investimento. Trata-se de uma mera reserva de imóvel, mediante o pagamento de um depósito.

O problema é que tal reserva é tratada pelas construtoras como uma venda completa e anunciada dessa forma para seus acionistas. O restante do contrato é contabilizado como “recebível”, sem que os balanços das empresas contabilizem corretamente os riscos associados a esses contratos. Essa contabilização é, em muitos casos, incompatível com as claúsulas presentes nos contratos firmados entre a construtora e os consumidores.

Não é honesto, por exemplo, classificar como “recebível” o restante de um contrato onde a rescisão por parte do cliente pode ser efetuada com a simples desistência do valor depositado como garantia da reserva. Pior ainda quando a lei garante em alguns casos a devolução de parte do valor depositado. Esse tipo de contabilidade expõe as construtoras a um grande risco, muito difícil de ser mensurado e muito dependente de uma saúde perfeita para o resto da economia. O acionista considera como “recebível” um ativo cujo valor não está sujeito a altos riscos, uma obrigação que será cumprida pelo devedor no prazo correto ou que possa ser questionada na justiça no caso de inadimplência.

Alguns perguntariam: por que isso funciona assim, as construtoras são burras? Não. Esse tipo de contabilidade permite que anunciem vendas crescentes em seus relatórios anuais, enganando os acionistas e trazendo cada vez mais dinheiro para a empresa. Esse é o sonho de qualquer diretor megalomaníaco: bônus gigantescos, aumento da estrutura, aumento da influência, aumento do poder.

Outra questionamento seria: se o especulador devolve o imóvel, a construtora ainda tem em suas mãos um ativo sólido e que “nunca desvaloriza”, que é o próprio imóvel. E é aí que o problema fica maior: os empreendimentos não são capitalizados por fundos de investimento, por empréstimos bancários ou pelo caixa da construtora. As construtoras dependem do pagamento dos imóveis vendidos no passado para conseguir concluir as obras que estão em andamento. Quando esse ciclo não se completa, não possuem caixa para pagar salários, serviços e materiais de construção. Isso se chama “pedalar”: lançar imóveis continuamente para que as entradas pagas pelos imóveis novos ajudem a terminar as obras em andamento e o pagamento das “chaves” dos imóveis concluídos ajudem a iniciar os empreendimentos recém-lançados.

Isso significa que devoluções de apartamentos por parte de especuladores e consumidores com problemas financeiros causam um grande impacto na construtora. Se a construtora já possui problemas anteriores que dificultem a obtenção de crédito no mercado, o problema se torna maior ainda. Maior ao ponto de atingir níveis nunca considerados pelos diretores da empresa.

Esse é o subprime brasileiro: a especulação com imóveis na planta. Esse modelo de alavancagem é tão selvagem, perigoso e desregulamentado que faz o antigo sistema americano de hipotecas parecer um paraíso. Um estouro nesse mercado causará muito desemprego, e o problema será realimentado de volta para o sistema bancário: um número maior de pessoas devolverão seus imóveis financiados devido a problemas financeiros. Imóveis que foram comprados por R$ 500.000,00 agora serão devolvidos com um valor muito inferior, em um mercado em recessão e com estouro de bolha imobiliária.

Os bancos já estão tendo um prejuízo imenso com veículos devolvidos. Os imóveis serão os próximos. O resultado dessa festa toda será: quebra de construtoras que empregam juntas centenas de milhares de pessoas, falta de liquidez nos bancos e depressão geral da economia.

E isso não é previsão para o futuro, pois já estamos vendo tudo isso com os nossos próprios olhos: vendas menores no comércio, restaurantes vazios, bancos recebendo auxílio do governo, fraudes em bancos à beira de um colapso, prejuízos com inadimplência, ações de construtoras despencando mais de 80% em 2 anos, vendas de automóveis em baixa.

Só não vê quem não quer.

Um parênteses sobre falência de construtoras

Foram criadas diversas leis e regulamentações que dificultam essa prática. Uma delas é a criação de sociedade de propósito específico (SPE) para cada empreendimento. No popular, podemos dizer que “criam uma empresa que toca a obra e recebe todos os pagamentos dos compradores de imóveis”. Isso, na teoria, impediria as construtoras de desviarem dinheiro da obra e em caso de falência da construtora bastaria entregar o empreendimento a outra construtora. O que não foi gasto com o prédio ainda estaria depositado nas contas dessa empresa.Só que as construtoras são muito espertas e conseguem agir da mesma forma que agiam antes da lei. Basta fazer com que a SPE responsável pelo empreendimento contrate um zilhão de serviços da construtora. Dessa forma o caixa da SPE está sempre muito próximo de zero e a construtora está sempre com esse dinheiro em mãos.