Na contramão do medo que leva à reclusão, iniciativas da própria população ocupam espaços públicos durante a noite. E lugares que poderiam ser degradados e perigosos tornam-se opções de esporte e lazer
Pela Salete, 11 anos, é bom porque “corre vento”. “É um lugar aberto” e “dá pra ver a lua” – complementam a Nazaré, 13, e o Wellington, 9. Todos moram na Serrinha e praticam capoeira. O lugar: a alça do viaduto do Aeroporto Internacional Pinto Martins. E sempre de noite.
O escurecer de Fortaleza não deveria ser sinônimo para se esconder em casa. Mas a insegurança acaba por gerar o que para muitos é um ciclo: crescem os índices de violência, aumenta a sensação de medo – para não atrair riscos na rua, a noite parece obrigar o enclausuramento. Há espaços públicos na Capital que, entretanto, fogem dessa sequência.
São lugares cujo movimento é mais efervescente exatamente quando anoitece, como o Lago Jacarey, na Cidade dos Funcionários, a Praça Argentina Castelo Branco, no Bairro de Fátima, e o Calçadão da Crasa, no Farias Brito, onde O POVO esteve nas últimas semanas.
Esses são lugares que foram planejados já com a finalidade de atrair a população. Outros exemplos, todavia, são mais inesperados, como a alça do viaduto na Serrinha, e a avenida Monsenhor Tabosa – que com o passar das horas deixa de ser corredor comercial para fazer caminho para os skates de um grupo de amigos que mora na Praia de Iracema.
O arquiteto e urbanista Romeu Duarte Júnior, chefe do departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), avalia os casos como gestos de apropriação da cidade, “num momento em que as pessoas passam a maior parte do tempo dentro de casa, olhando para o celular”.
De repente, acrescenta, poucos se aventuram a descobrir possibilidade de uso e trazer esses lugares pra suas utilizações cotidianas. “É uma investigação interessante”, afirma.
“Inclusive você usar espaços como esses, que não foram planejados e se tornam referência de uso público, subverte a forma como a gente tradicionalmente enxerga esses lugares. Ao mesmo tempo, informa que Fortaleza não tem quantidade e qualidade de espaços públicos que poderiam ser utilizados”, considera.
Fonte:opovo