“O corpo humano foi desenhado para se movimentar, mas em boa parte de nossas calçadas não é possível andar”, diz Benedito Abbud

Para fazer as calçadas vivas, Abbud propõe uso de plantas, mobiliário com criação de pequenas praças, além de rampas de acesso e pisos táteis para facilitar a vida de pessoas com deficiência e idosos. Conversamos com o paisagista sobre a atual situação das calçadas paulistas e o que pode ser feito para melhorar nossos passeios.
Confira na galeria os passeios públicos de um bairro paulistano projetados por Abbud.
IAB: Para o senhor, qual o maior problema das calçadas paulistas? No Rio, muita gente reclama das pedras portuguesas, que embora sejam muito bonitas, costumam causar inúmeros acidentes.
O mosaico português sempre foi usado como um ótimo material até inventarem as máquinas de jato d água de alta pressão para lavagem de piso. Elas tiram o rejunte de areia das pedras, soltando-as. Burle Marx usou magistralmente o mosaico português, pois ele permite todas as composições de desenhos. Em são Paulo, o maior problema das calçadas é que são estreitas. Uma calçada deve ter: faixa de serviços para colocação de cestas de lixo, telefones públicos, árvores e outros equipamentos; faixa de circulação que facilite o fluxo confortável das pessoas, incluindo cadeirantes e pessoas com necessidades especiais; e a faixa de acesso às edificações junto a divisa dos lotes que, muitas vezes, é ajardinada. Para isso deveria ter uma largura bem maior que os 2,5 metros padrão, como a avenida Rebouças entre a Faria Lima e a Marginal (primeira foto da galeria abaixo) que é considerada uma das mais agradáveis e bonitas de São Paulo.
IAB: O senhor criou o conceito de calçada viva em 2006, mas ele continua sendo pouco aplicado em grandes cidades. O que falta para termos calçadas melhores?
O conceito de calçada viva envolve itens como: calçada com arborização na faixa de serviço, espaço sociável com bancos e lounges; equipamentos de ginástica e pista de caminhada/corrida; pisos permeáveis; mobiliário para estacionamento de bicicletas; pontos de ônibus com design; fiações embutidas e alçapões com design para visitação de tubulações de telefonia, água e gás. Porém, nem todos esses itens precisam ser implantados concomitantemente. Acredito que tenha havido um avanço desde 2006. A prefeitura de São Paulo já regulamentou a construção de parklets – pracinhas feitas no lugar de duas vagas que podem ter áreas de estar, equipamentos de ginástica, mobiliários diversos, e outros itens citados acima.
IAB: Grandes cidades como Rio e São Paulo começaram a investir em ciclovias como uma alternativa à falta de mobilidade. Não deveriam fazer o mesmo com as calçadas? Andar a pé não é também (ou ao menos deveria ser) uma alternativa?
O corpo humano foi desenhado para se movimentar, e andar a pé é um dos mais importantes exercícios. Acontece que em boa parte de nossas calçadas não é possível andar. Sua construção é de responsabilidade do morador e, na maioria das cidades, ele pode escolher o material que achar melhor. Assim temos pisos escorregadios ou desnivelados, calçadas com degraus, rampas onde o cadeirante não passa, sem contar a enorme quantidade de postes, buracos, escavações feitas por concessionárias que são muito mal remendadas.
IAB: A população não deveria contribuir para calçadas melhores também? É comum ver carros estacionados ocupando a calçada toda e obrigando carrinhos de bebê, por exemplo, a passar pela rua…
A cidade é o lugar essencialmente de convivência social que exige educação para funcionar em todos os seus aspectos. A calçada é um desses aspectos. Algumas cidades no sul do país promovem concursos de calçadas para premiar as mais cuidadas e bonitas.
IAB: E a questão do custo dessas calçadas? Elas não seriam muito mais caras?
O custo é relativo. Ninguém acha ruim que a via (leito carroçável) seja pavimentada por uma empresa que cuida profissionalmente dos caimentos, desníveis, guia, sarjeta e tenha seu custo rateado pelos moradores. Não seria bom cada morador fazer um pedacinho, pois seria muito ruim para os carros não é? E, por que nas calçadas isso é normal que aconteça? As pessoas não mereceriam o mesmo tratamento que os veículos?