O arquiteto e professor Rocha Jr. escreve sobre uma possível “segunda ressurreição da Praia de Iracema”, mas reclama da inexistência de plano de ocupação que garanta longa vida ao bairro

Desde o inicio da década de 2010 que a cidade anseia por uma segunda ressurreição da Praia de Iracema. O bairro viveu duas épocas áureas e duas derrocadas, já havendo, pois, uma primeira ressurreição, precisamente nos anos 1980. Foi quando ocorreu o fim da marginalização urbana imposta pela mudança do Porto para o Mucuripe, na década de 1950, e pelas implicações de sua construção, que destruíram parte da bela paisagem praiana de Iracema. Era o começo da segunda época de ouro, que se consolida nos anos 1990, com a construção do calçadão à beira-mar e a instalação de uma profusão de bares e restaurante. Depois de reinar absoluto por cerca de dez anos, o espaço homogêneo e artificializado produzido sucumbe em meio à negação da relação comunidade e lugar. Hoje o poder público procura produzir uma nova ressurreição, pretendendo lembrar as fases áureas anteriores, como a primeira, na década de 1940, quando o Bairro se insere de modo categórico na vida da cidade.
A questão é saber se a reinserção urbana da Praia de Iracema será possível por meio da intervenção promovida pela Prefeitura de Fortaleza – hoje em andamento – e de edificações como o Acquario Ceará – proposta do Governo do Estado. As obras da Prefeitura, que se concentram em torno do calçadão, estão em sua fase final e é possível nelas perceber qualidades construtivas, formais e paisagísticas – embora cause estranhamento a ausência de arborização urbana. O que não fica claro, no entanto, é como o poder público municipal fomentará a reabilitação urbana da área por meio dos usos propostos para o calçadão (Museu do Forró, Museu do Olhar etc.). Além de estes usos serem discutíveis sob o ponto de vista da atratividade, é preciso levar em conta que existem quatro praias de Iracema desarticuladas física e socialmente: 1) a do entorno do Estoril; 2) do Dragão do Mar; 3) entre as avenidas Monsenhor Tabosa e Raimundo Girão e 4) a do Poço da Draga. A intervenção da prefeitura é clara na valorização da frente marítima do bairro, configurando um desenho urbano sem maiores considerações com o contexto físico e social das outras áreas.
Por certo se houvesse sido elaborado um Plano de Bairro, com intensa participação dos diferentes agentes sociais (poder público, iniciativa privada, sociedade civil), teríamos mais segurança para acreditar na transformação estrutural da Praia de Iracema. Um plano desta natureza teria definido com mais clareza a função de cada uma daquelas quatro áreas no processo de articulação dos espaços do Bairro. Com base no que é e no que foi a Praia de Iracema, listamos algumas possibilidades de ocupação urbana para cada área: 1) concentração de bares e restaurantes na rua dos Tabajaras e de pequenos apartamentos nas ruas paralelas; 2) definição de novos usos para o entorno do Dragão; 3) concentração residencial entre as avenidas e 4) qualificação do espaço da comunidade do Poço da Draga, com a consequente renaturalização de trecho do riacho Pajeú. É de suma importância, ainda, o ordenamento do fluxo e estacionamento de veículos, o restauro de edifícios com interesse histórico (como o já realizado pela Prefeitura no Estoril) e a integração com o Centro Histórico por meio da estruturação de um percurso paisagístico e cultural.
Há, na proposta da Prefeitura, uma sinalização em direção à articulação dos distintos espaços da Praia de Iracema. O calçadão permitirá ao transeunte acesso livre e seguro da Beira Mar até o boulevard previsto para avenida Almirante Tamandaré, e que fará a ligação da frente marítima com o Centro Dragão do Mar. Uma questão, no entanto, passa ao largo: a renovação urbana do espaço da comunidade do Poço da Draga sem que seja preciso retirar a população de lá. A inserção urbana daquela área pressupõe a recuperação ambiental e redesenho do espaço habitacional, com a devolução do leito natural ao riacho Pajeú, definição das faixas de preservação do recurso hídrico e construção de habitações moderadamente verticalizadas e com qualidade arquitetônica.
Em conclusão, a reabilitação urbana de uma área vai muito além da questão da requalificação de edifícios e de seus espaços exteriores. Há que existir articulação urbana e dinamização econômica para que os edifícios não voltem a ficar degradados e os espaços obsoletos, motivando a saída de moradores e comerciantes e a ausência de visitantes. A indagação é saber qual dinâmica irá criar o poder público para reconverter a Praia de Iracema em espaço de efervescência da cidade, dando boas respostas a distintos anseios da população.
Antônio Rocha Jr. é professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Unifor e membro da Diretoria do IAB-CE
FONTE: www.opovo.com.br
FOTO: Sara Maia, jornal O Povo